O Partido Republicano em Portugal nunca apresentou um programa, nem verdadeiramente tem um programa. Mais ainda, nem o pode ter: porque todas as reformas que, como Partido Republicano, lhe cumpriria reclamar já foram realizadas pelo liberalismo monárquico. (…) A república não pode deixar de inquietar o espírito de todos os patriotas.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
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10 comentários:
Não só inquietou, como tripudiou do país inteiro. Violência, completa incompetência interna e externa, corrupção, chapeladas eleitorais..., nada que o país tenha esquecido. Por causa deles, o Estado Novo chegou para quedar-se por 48 anos. No fundo, no fundo, era o que o basílio Telles almejaria: uma republicazinha ordeira, sem pelo na venta, com boas continhas feitas :)))
Será que alguém sabe o que foi o periodo constitucional? Memória curta...
ps: quanto ao programa do PRP basta ver as mudanças constitucionais e propostas parlamentares da altura.
Sabemos, Pedro, sabemos... Era o que se esperava e ocorria em todos os países na mesma altura. Leia as sessões do parlamento do Palais Bourbon e ficará edificado com o baixíssimo nível - muito pior que cá - dos senhores da troisième. quanto à obra INTENCIONAL da 1ª república, há muito para dizer: violenta repressão da opinião, chapeladas eleitorais consecutivas, morticínio dos opositores republicanos e monárquicos, grotesca guerra (que acabou por perder ignominiosamente) com a igreja, liquidação da economia mercê da incompetência, instabilidade política e nepotismo descarado do Partido "Democrático", repressão violentíssima dos socialistas e sindicalistas. Era a direita parisiense de trazer por casa no seu melhor. De fraque e cartola, contrastava cruelmente com a realidade nacional. sabemos no que deu: nos 48 anos...
Vamos ver algumas coisas...
1) As golpadas (nepotismo, corrupção, etc) dos republicanos não foram em nada maiores ou mais escandalosas do que aquelas da monarquia - ou ninguém se lembra de como se decidiam os monopólios?
2) A repressão da opinião pública e da imprensa foi uma tradição iniciada por um monárquico, João Franco - con táticas repulsivas para levar os jornais à falência.
3) A reforma que fez nas relações com a Igreja era uma necessidade. O estado precisava de ser reformado para poder ser plural - coisa que nunca foi na monarquia. Se perdeu a guerra foi o prejuizo de todos nós que ficámos sujeitos a um regime ultramontanista por 50 anos.
4) A Republica colapsou porque foi bloqueada por n grupos de interesses que bloqueram qualquer hipotese de reforma - a maioria dos quais herdados directamente da monarquia. Aliás, foi o sector monárquico no exército que saiu vencedor do golpe de 1926.
Aconselho o Pedro a dar uma vista de olhos - e decerto já deu - às negociatas com os mesmíssimos monopólios durante a 1ª república, o nepotismo no Banco de Portugal (e consequente e nefasta política hiper-inflaccionária) e o envolvimento descarado do próprio governo e dos sectores demasiadamente próximos a Belém.
Quanto à repressão da opinião pública, leia os jornais "republicanos" durante o governo de J. Franco, até ao próprio dia do regicídio e conclua acerca da liberdade de imprensa que hoje é incomparavelmente mais restrita: publique para a semana uma espécie de "Marquês da Bacalhoa", situando a povoação em Nafarros ou Boliqueime e veja o que lhe acontece. Vão-lhe ao bolso e de que maneira! E pode ser destruído por difamação.
E os assaltos e destruições a toda a imprensa que não afinava pelo diapasão do Costa? Mesmo republicana! E tudo isto logo em 1910-11.
Quanto à Igreja, ninguém contesta o Estado laico. Na verdade, a Monarquia Portuguesa era completamente laica, ao contrário de todos os países do norte da Europa (protestantes): a hierarquia era cuidadosamente controlada pelo poder político e o ultramontanismo estava bastante restringido ao chamado Legitimismo, adquirindo mais força, exactamente após a Lei da Separação. É que o Estado deixou de poder vigiar o as nomeações para os bispados, etc. Como o Pedro sabe - creio que ambos somos bastante "liberais" -, o reino chegou a ter chefes de governo provenientes dos sectores mais esquerdistas da época - o bispo de Viseu - e até alguns prelados afectos ao Paço, eram acusados abertamente de maçonismo! Até a própria rainha D. Amélia era inicialmente acusada de partidária do Regalismo.
Vivendo em França, o Pedro sabe que por aqui há uma apetência por parte de certos sectores em tudo copiar o que vem de Paris: o bom, mas também e de forma exageradamente grotesca, os rififis e rococós gauleses, para não dizer pior. Importam tudo aquilo que é inútil e esquecem-se do sentido prático das coisas, apanágio dos anglo-saxões (de quem aliás somos aliados pour cause...).
A biografia do rei D. Carlos (Rui Ramos), explica até à exaustão, todo o cenário social e político - logo económico - do Portugal dos finais do séc. XIX. É uma obra de referência e que desmistifica aquilo que andaram a injectar-nos durante todo o séc. XX.
A guerra com a Igreja, com o saque e destruição de bens eclesiásticos, a chacina de padres em plena rua e as medições cranianas para gáudio da rufiagem do Rossio, remetem-nos para bem conhecidas cenas passadas 30 anos mais tarde, naquela Berlim de Crepúsculo dos Deuses. Proibição de vestes talares (cafetãs em Berlim), tosquia de cabelos (o mesmo em Berlim), incêndio de igrejas (das sinagogas), o incentivo à delação (a Paris de 1940-44 que delatou os vizinhos e enviou-os para o Velodrome d'Hiver a caminho da Posnânia...), etc. Lembra-se do Costa se gabar que conseguia liquidar o atolicismo em duas gerações? viu-se e vê-se...Não valeu a pena, foi uma vergonha que todos pagámos muito caro.
A república - no seu único e verdadeiro significado - já existia desde 1834. O Chefe do Estado era independente dos partidos. Ou duvida que a Espanha seja tão ou mais democrática que a França, onde o fulano qualquer (Sarko) tem um poder incomensurável e mesmo de vida e morte (botão nuclear) sobre centos de milhões? NÓS é que somos republicanos, como dizia o Lafayette...
Tem razão quanto às causas de colapso do regime da Demagogia de 1910-26: os grandes interesses económicos - ligados na sua maioria às grandes fortunas como os Grandelas, Relvas, etc, tomaram o Estado como seu, desbaratando a moeda, forçando a uma fuga sem precedentes para a emigração e destruindo a reputação internacional de Portugal. O golpe do 28 de Maio, ocorre num momento em que na Europa se fala em colocar as colónias sobre mandato! Isto foi o que aconteceu ao Tanganica, Camarões e Sudoeste Africano alemães, após 1918. Foi uma vergonha que a tropa não aguentou. Creio até que o golpe foi conduzido para salvar o regime, como mais tarde se provou: Carmona era republicano, Gomes da Costa também, assim como Mendes Cabeçadas. Só Sinel de Cordes era "azul e branco" e isto nada tinha a ver com a chamada extrema-direita, até porque D. Manuel II estava vivo e era uma hipótese muito possível para resolver o imbróglio em que o regime submergiu o país. Salazar deu o golpe final nos monárquicos em 1949-51. Começou logo em 1932, com a morte do rei, despojando a Casa de Bragança através da Fundação. Impediu a Restauração quando da morte do decrépito Carmona. Salazar sabia que essa Restauração implicava um encarrilamento do sistema com o modelo britânico. Isso não lhe interessava, como é sobejamente conhecido.
Sabe o que mais lamento em todo o século vinte?
1. Perda total de um regime parlamentar que já era experimentado, funcionava com alguns sobressaltos mas sem hiatos a partir da Regeneração. Sem o 5 de Outubro já teríamos democracia há 174 anos (muito provavelmente)
... e consequentemente, todos os princípios caros ao liberalismo, como a evolução política para a constituição e adequação de novas forças partidárias e sociais (movimento sindical violentamente reprimido pelo A. Costa). O 5 de Outubro piorou gravemente a situação, impedindo a calma instalação de um PS que prometia ser uma força semelhante aos seus congéneres alemães, ingleses ou italianos. Foi o ruir de muitas esperanças e constituiu uma enorme perturbação no corpo nacional. Ainda não nos recompusemos do facto. E muito mais há para dizer (estou a gostar do forum...) :))))))
Nuno agora não tenho tempo para responder a tudo mas lembro-o só de uns detalhes... o autor do marquês da bacalhoa vivia exilado por alguma razão. E sim as regras hoje são mais restritas mas não se suspendem jornais por um mês quando não fazem a vénia ao ditador o que foi o caso de Franco e se a situação mudou foi pelo afastamento de Franco depois do regicidio.
Quanto à Igreja reconheço que a importância das extremas creceu nesse periodo mas os efeitos numa organização privada não podem ditar o interesse público. E dentro do constitucionalismo há vários peridos com diferentes representações da Igreja a nivel de poder mas em nenhum documento ou adminstração prática se proclama a laicidade do estado - o estado é confessional e existem limitações ao culto não católico. Já para não falar na censura do ateísmo - as conferências do casino foram encerradas precisamente porque alguém não gostou do tema de uma delas "a divindade de Jesus" e não de outras como a relação entre a decadência portuguesa e a monarquia. E veja que a maior confiscação dos bens eclesiásticos ocorreu durante o regime monárquico...
Amanha vou ver se arrranjo tempo livre para responder ao resto do que é dito :)
Bem, bem, Pedro, temos também que não esquecer o período em que tudo isto se passou. O que na altura era normal, hoje não é.
Quanto ao eterno argumento da "ditadura franquista". Comecemos por aqui. Na altura, "governar em ditadura" era prática recorrente por todos os partidos e semelhante ao que se passava na restante Europa liberal. A frança é um bom exemplo e era republicana. Em que consistia a "ditadura"? O governo legislava quando o Parlamento se encontrava - por variadas razões - fechado e os decretos aprovados naquele período, eram depois ratificados ou não, pelas Cortes. Apenas isso. Mantinha-se a liberdade de reunião e de expressão, tal como antes. O conceito era esse e surpreende, não 'e? Até porque hoje ainda por vezes ocorre em muitos países bem conhecidos de todos. O que o sistema partidário não aguentou, foi o facto de o Jo~soa Franco ter pretendido reformar o sistema, criando o seu partido, o Regenerador-Liberal, enquanto trazia para a área do poder (o Parlamento) os Socialistas que decerto esvaziariam o grotesco p.r.p., vazio de ideias e sem qualquer projecto sustentável. Os Progressistas, os Regeneradores e os Republicanos - que aliás eram satélites eleitorais de ambos, dependendo da situação do momento -, sentiram-se ameaçados, até porque Franco tinha o apoio da rua e das camadas médias. Foi isso que o perdeu e fez com que o prp decidisse matar o rei. A situação constitucional estava em evolução e adivinhava-se um outro rotativismo, mais real e de acordo com as regras impostas por dois grupos políticos defensores de princípios e de interesses diversos entre si. Quando da república, o Costa desenvolveu intensa campanha de descrédito dos socialistas, publicando as cartas de Azedo Gneco que encontrara nas Necessidades. O PS tinha cometido a aleivosia de afirmar que mudar as Instituições de nada servia e tinha muita razão, como se viu. Aliás, qualquer semelhança entre aquele PS saído da tradição alemã, da II Internacional e das profundas ligações aos seus congéneres europeus, nada tem que ver com o de hoje. Apenas o nome nos remete para a identidade, nada mais.
Quanto ao António Albuquerque, o Miquéque, ou Lêndea, nomes pelos quais era conhecido. Já na república, o néscio do Braga dizia-lhe muito a sério, que a sua "obra" da Bacalhôa, era um dos fundamentais caboucos do regime! Pior não podia ser. Quanto ao seu exílio, sinceramente não sei, tenho que ir investigar. Tanto ódio, tantos insultos e atoardas, para anos depois, ir espolinhar-se aos pés da rainha D. Amélia, pedindo perdão pela ignomínia...
A rainha Orleães era uma mulher fora de série, interessada e de uma honestidade irrepreensível. Portugal deve-lhe muito e veio de França com novas ideias, proximidade da cultura do espírito científico próprio da época. Contra ela os "republicanos" moveram uma das mais escabrosas campanhas de que há memória e recorreram aos velhos e estafados clichés repescados de 1792-93: começaram por declarar a rainha debochada (com Mouzinho de Albuquerque), para pouco depois ousarem acusá-la de lésbica - imagine o que seria uma acusação destas naquele tempo -, ultramontana ( e logo ela que desprezava virulentamente o fanatismo), etc. Foi uma inacreditável vergonha, uma nódoa capital que o prp carregou até à sua extinção e que alastrou aos apoiantes do regime.
O Pedro parece afinal, firmar a necessidade da laicidade do Estado, um princípio totalmente parisiense, como ainda hoje é por aí uma monomania. Tudo bem, não sou praticante, embora reconheça a base fundamental da nossa civilização que é sustentada no cristianismo. Para o bem e para o mal, diga-se. Mas não lhe parece que ficamos então sob o simples artifício das aparências? E o que dizer da religião do Ente Supremo, com toda a sua grotesca panóplia de códigos, superstições, crendices num inexistente passado? E do alegado, corrijo, visibilíssimo cerimonial medievalesco no Templo, com bordadinhos, espadas cerimoniais, figas com os dedos, manguitos, vendas e iniciações à meia-noite? Não lhe parece estranho? E quando hoje sabemos quais os interesses envolvidos (vidé o seu post de hoje!)...
Não pense o Pedro que somos monárquicos por mero preconceito social e mania das grandezas. É exactamente o contrário. As pessoas começam a cansar-se da falta de referências, do estiolar daquilo a que sempre se considerou ser o interesse nacional, da promiscuidade evidente entre os órgãos de soberania e especialmente, confirmando este último ponto, o conflito de interesses naqueles. Não pode ser! Aí em França, ou na Alemanha, os portugueses estão considerados entre os melhores! O que falta por cá?
Educação escolar e cívica, enfim, tudo aquilo que a chamada república não conseguiu fazer.
Somos monárquicos porque acreditamos na funcionalidade da instituição.
Quantos primeiros ministros o rei João Carlos já teve desde a morte de Franco (1975). Conte-os. E quantos tivemos nós? Sendo a Espanha um Estado plurinacional, comete a proeza de conseguir fazer cumprir os mandatos parlamentares em pleno. E nós? Como é? O que está a falhar? Perguntemos aos drs. Soares, Sampaio e Cavaco. Do general Eanes não posso nada dizer, porque aparentemente passou-se para o nosso lado. Sabemos porquê.
Muito bem, Nuno!
E este "muito bem" não é um mero proforma, como é uso na AR.
Nuno,
Talvez fosse comum por essa Europa fora mas o standard da política portuguesa ao longo de muito tempo tinha sido o parlamentarismo e não a governação sem cortes – e vamos ser sinceros, o rei dissolveu as cortes não como medida de salvação, ele intencionalmente deixou que a situação se degenerasse e em vez de dar o poder a José Luciano ou convocar novas eleições chamou o homem que tinha em mente para o “trabalho” tornando irrelevante o processo eleitoral . Mais, o Liberalismo que falamos, aquele clássico de século XIX, sempre foi caracterizado pela sua rejeição da política popular e pelos vícios eleitorais dos caciques (rotten boroughs, etc) que sinceramente o tornam tudo menos um exemplo de credibilidade – aliás a grande instabilidade governativa que se vê tantas pessoas criticar na Primeira republica esteve presente ao longo de todo o período constitucional tirando alguns casos como o ministério de Costa Cabral, Saldanha e alguns outros.
Veja-se que não critico João Franco na sua dissidência – fez ele muito bem mas sinceramente a coisa estava tão podre que não havia reforma que resolvesse o assunto sem um grande saneamento – mas critico a sua forma de lidar com os seus opositores na imprensa (que obviamente estava politizada pelos dois principais partidos, pelos republicanos, pelos socialistas e pela Igreja) que passou depois do período inicial de graça numa repressão disfarçada já que ao suspender os jornais frequentemente por períodos de tempo mais ou menos longos os levava à falência. Apoio de rua duvido muito que tivesse de forma significativa e durável e explico: os caciques que controlavam o voto rural pertenciam aos dois grandes partidos; as massas urbanas de Lisboa e Porto estavam nas mãos dos republicanos e jamais foram tentadas à moderação antes do período de repressão salazarista.
Já agora, não foi o PRP que deu a ordem de assassinar o rei. Não foi sequer a maçonaria – tirando os membros da loja da Montanha. Foi a Carbonária e se é verdade que todos os membros desta organização eram republicanos não é verdade que todos os republicanos fossem carbonários (muitos menos membros da carbonária lusitana muito mais agressiva que a “regular”). Aliás o próprio PRP sempre se afastou de alguns dos seus membros que tiveram envolvimentos duvidosos – como é o caso de Alpoim, um canalha da pior espécie que foi relegado para uma função de relativa insignificância.
Veja Nuno eu na laicidade, como em muitas coisas, tento combinar o idealismo das boas soluções com o realismo. Neste caso não criar uma divisão entre o estado e a religião organizada corresponde em dar o domínio cultural de bandeja à Igreja coisa que é inaceitável pelas orientações políticas desta organização. O estado tem que criar algumas barreiras e entraves no caminho de certas organizações (sejam elas económicas, religiosas, etc) para que o individuo possa sobreviver enquanto ser livre à sombra dessa barreira. Quanto às bases da civilização é um tema colossal :) nem sei bem por onde lhe pegar, sinceramente qualquer resposta que lhe desse agora seria um reflexo pavloviano e não algo moderadamente bem pensado – apesar de pessoalmente me rever n vezes mais na cultura mediterrânica arcaica e clássica do que no cristianismo mas isso são gostos :).
Eu não faço julgamentos sobre as preferências dos outros caro Nuno só me mantenho bem afastado dos tais monárquicos da pompa e circunstância porque acho que não estão no mesmo planeta que o resto dos pobres plebeus como eu :) Existe realmente uma insatisfação crescente mas essa não pode ser resolvida pela mudança de sistema – um rei não altera uma virgula à verdadeira elite deste país e aos seus interesses – mas tem que ser algo resolvido pela subordinação de muitos elementos soltos não só ao bem público como até à política. Eu bem sei que isso se tornou anátema e ainda levo uma pedrada verbal mas realmente creio que tem que existir um maior elemento político e não esta farsa tecnocrática que estamos a viver um pouco por todo o lado onde se toma decisões que são claramente de natureza política e que visam objectivos sociais e económicos muito concretos simplesmente dizendo que é uma necessidade de viver num mundo globalizado, na UE, etc. Estamos a ser enganados… Mas voltando à questão do rei, a grande dificuldade da monarquia cai precisamente nas definições do papel do monarca e acima de tudo nas condições de ascensão. Algo meramente hereditário deve ser rejeitado linearmente. Não aceito dobrar o joelho a um homem só porque nasceu na família certa. A lealdade tem de ser merecida e não simplesmente passada de pai para filho. Quanto à herança cultural e o peso da história e outras coisas que tal aponto que apesar da sua relevância para perceber o passado a tradição não uma natureza necessariamente moral e portanto a sua preservação também não o será necessariamente, aliás as críticas que se ouvem quanto à tradição é precisamente pela sua associação à preservação de privilégios indevidos e perpetuação de abusos. Por isso, até que alguém me forneça um argumentário bem mais racional e lógico, o parecer tem que ser negativo em todas as frentes.
Caro Pedro
Talvez receba com surpresa esta informação. Concordo na generalidade com o que disse e apenas pretendo mais uma pequena contribuição para este debate. Assim, iremos por partes, para que seja mais fácil fazer a separação de assuntos.
1. A normalidade da "ditadura" administrativa. Era mesmo prática corrente e o facto de ser considerada pelos próprios ditadores um período sempre curto e excepcional, não era susceptível de colocarem causa a natureza intrinsecamente constitucional do(s) regime(s). Em França, por exemplo, as restrições eram maiores e a mão pesada da III república sempre se fez sentir até à I Guerra Mundial. Quanto ao caciquismo, tem razão, evoluímos pouco até aos nossos dias. No entanto - aí vem o advogado do diabo -, não podemos esquecer o contexto da época, onde as comunidades isoladas ainda eram decisivas e os meios de comunicação se limitavam às estradas, caminhos de ferro e por vezes, à inovação telegráfica. Jamais se viu tamanha instabilidade governativa e parlamentar como no regime da Demagogia de 1910-26, nisto não estou de acordo consigo: 43 governos em 16 anos! 8 presidentes? E o factor instabilidade na política repercutia-se estrondosamente nas ruas, com morticínios generalizados. Foi aqui que o regime se perdeu e tenho a certeza que existia uma absoluta percepção do facto de se viver à época em claríssima ditadura do "Partido Democrático", com todo um rol de impedimento de formação de partidos rivais, listas de deputados, destruição física - que Franco jamais ousou - da imprensa e sobretudo, um grande recuo do universo eleitoral. Para quem durante anos agitou a bandeira do sufrágio universal que surgia como parceiro do bacalhau e dos couraçados a pataco, não deixava de ser um indício de prepotência e digamos, aldrabice sem pudor. É um período - o dos finais do século - de grande instabilidade em toda a Europa e isto devido aos avanços conseguidos na industrialização de sentido globalizante. A Alemanha mitigou os "males" através de uma inovadora política de cariz social patrocinada pelo próprio kaiser que não era em muitos pontos de vista, tão tacanho como os Clemenceaus, Fallières ou Poincarés andaram a propalar. O II Reich estava avançadíssimo em relação ao seu vizinho ocidental e isso via-se também na produtividade, paz social, etc.
Voltando a Portugal, o regime do Costa cortou cerce a ameaça eleitoral, restringindo os cadernos de tal forma que só encontramos paralelo durante a II república! Todos se aperceberam da chapelada e do controle das mesas, daí a revolta larvar que jamais deixou o regime imposto.
O Franco fez e bem - como disseste -, a dissidência. O problema era de índole constitucional, porque o papel atribuído ao rei, era parecido com aquele desempenhado por um presidente de um regime híbrido. Tinha claros poderes de decisão acerca da escolha do presidente do conselho de ministros e hoje é claro que o sistema convinha a todos, porque propiciava um alijar de responsabilidades para os ombros do chefe do Estado. É evidente que seria muito mais confortável o rei limitar-se a funções protocolares, mas estava amarrado pelo texto constitucional. Veja o dilema! Para isto se tornar mais claro e sem querer ser pretensioso, veja a obra de Rui ramos relativa a este período "D. Carlos I". O homem estava numa posição inextricável e hoje e sabido que os actuais presidentes têm um grande temor relativamente aquilo que se chama "pôr a descoberto". Só um se atreveu a tal e criou um precedente que dará que falar daqui a algum tempo: o que o Sampaio fez a Santana, paga-se caro. E isto, quando todos sabemos que o que esteve por detrás da dissolução foi uma mera e degradante manobra de interesses dos grandes sectores capitalistas-banqueiros. Uma vergonha.
2. O assasssinato do rei.
Aqui estamos em desacordo, porque o sistema de vasos comunicantes entre o prp, a maçonaria - base do regime - e a carbonária eram evidentíssimos. Dois dias antes da chacina, o prp emitia um comunicado dizendo que ..."pretendia substituir o regime e não liquidar os homens"... (grosso modo). Premonitório, estranho, não acha? E depois o que se passou? Organizou romagens - uma mania muito clerical, diga-se - às campas dos regicidas, publicou uma vasta iconografia santificadora dos mesmos, apresentou o acto como pedra fundamental da república ! Quer mais? Na famosa noite dos Banhos de S. Paulo 4-5 de Outubro de 1910, o Costa deu a beijar aos apaniguados uma pistola Browning, alegadamente usada pelo outro Costa no regicídio. Os comícios do prp eram elucidativos e gabavam-se abertamente do feito! Mais, fizeram sumir o processo em curso que como sempre acontece em Portugal, ficou sem efeito. O que se torna mais curioso é que Franco pretendia colocar o bando na fronteira, tal como na altura se fazia em França, Espanha, Itália, etc. A lenda do desterro para Timor (que sorte teria tido o país em se livrar daquela gente) nasceu da propaganda.O que conta em História, é a documentação existente e não existe uma só prova de que o rrei - aliás instado durante mais de uma década pela esquerda monárquica e pelo prp - tivesse querido embarcar na aventura cesarista. Sempre se recusou e a "ditadura" de 1906 era-lhe pedida por todos. Quanto às massas de Lisboa, enfim, há que ter em conta a enorme quantidade de pessoas que sairam dos campos e vieram para a capital, inserindo-se num meio onde a rua e os afazeres quotidianos implicavam ajuntamentos. O prp jamais conseguiu realizar qualquer acto revolucionário que contasse com o apoio das massas, mas o regicídio teve implicações psicológicas - medo, desejo de ficar nas graças dos vencedores do momento, etc - tremendas e decisivas, prque decapitou o regime. Física e moralmente. Física, porque D. Carlos enfrentava as contrariedades e parece que estava desejoso que algo de semelhante a uma grave perturbação da ordem pública viesse a ocorrer. Moralmente, porque a impunidade do prp não passou despercebida. A demissão forçada de Franco ditou a queda do constitucionalismo já antigo de 74 anos.
As armas foram compradas e distribuídas e o bando de assassinos era mais vasto que aquele que habitualmente é apontado como sendo o autor material do crime. O Costa sabia, como sabia o A. José de Almeida. O Alpoim sabia - e de que maneira -, e a reacção do Machado Santos após o acto, é edificante... Eles sabiam, Pedro. sabiam e planearam a coisa ao mais ínfimo pormenor. Quem possui o processo do Regicídio, que o dê de novo à luz do dia para elucidarmos de vez quem era e não era suspeito. todos eles sabiam e desejaram o acto, esta é a verdade e as cumplicidade e teias estabelecidas entre os líderes do prp e os grupos de mão eram tão claras, que é impossível negar a autoria moral e material do crime.
3. A Igreja. assino por baixo tudo aquilo que disse, porque infelizmente não foi iluminado pela luz divina. tenho pena, porque se trata antes de tudo, de uma questão cultural e de paz interior, por vezes bastante útil. Contudo, reconheço que a "crença oficial" não pode ser colocada ao mesmo nível das IURDS, Jeovás, meninos de Deus, faquires de Rajputana, adoradores de serpentes, etc.
4. Monárquicos e republicanos de pompa e circunstância. assino por baixo tudo aquilo que disse. mais, estou de acordo com Telles quando diz que os títulos nobiliárquicos deviam ser abolidos. Para lhe dizer a verdade, o 10 de Junho é sempre pródigo na nomeação de nobres encartados de comendadores do regime e isto implica aquilo que bem sabemos.
5. O rei. Bom, aqui a discussão acerca do papel do chefe do estado, é um tema que pode durar eternamente. Vamos relegá-lo para um debate alargado a outros e que será decerto longo e profícuo. Assim, para iniciar, vinco o geral desígnio dos monárquicos do estabelecimento de um verdadeiro parlamentarismo sem mácula intervencionista do chefe do Estado. A rede de interesses é hoje evidente e prejudica enormemente o regime. O papel do homem providencial e solitário dá à luz evidências sarkozianas, bushistas ou putinescas e o conflito de interesses é por demais evidente para não passar despercebido. O favoritismo foi claro nos tempos do sampaio e o PS não perde por esperar. assim que Cavaco tiver o PSD em ordem (terá?), veremos o que acontece. Poder solitário? Não. Isso terminou definitivamente na mente da maioria das pessoas e os sistemas constitucionais do norte da Europa são prodigamente demonstrativos desta evidência. O Estado funciona e não existem tribunais supremos constitucionais e outras anomalias que por aqui temos.
O plano é vastíssimo e abrange a reforma no sentido de uma Constituição generalista, um novo sistema eleitoral mais próximo dos cidadãos, um recuo sem precedentes nos privilégios da classe política no aparelho produtivo e de gestão do estado, uma nova divisão territorial e adaptada ao autêntico desastre de ordenamento que herdamos do anterior regime e do presente que só piorou o estado de coisas. A monarquia é uma questão funcional para um país com um colossal património histórico como o português. O que hoje vivemos é uma época de abusos, tão mais estranha porque vivemos no momento de pulverização do poder. Nós próprios somos mais poderosos que há uns meros dez anos! Temos mais informação, mais formas de contacto, mais acesso a documentos. Mas isto não é um dado adquirido ad eternum. O poder económico, a cumplicidade clara entre o poder político e os poderes fácticos, implicam a criação de entidades independentes que moderem uma situação que resvala perigosamente para novas e inéditas formas de autoritarismo. A monarquia é uma base de trabalho muito viável. Basta olhar para o lado e ver a diferença.
Há uns 4 anos, o José António saraiva escreveu um texto que se intitulava O Fim do Regime. Nele expunha as dificuldades da situação que vivemos - e que e pior que a daquele tempo - e explicava o porquê do sucesso espanhol. tente encontrar esse artigo, gostava de o reler, vou ver se o obtenho. Clarividente e feliz.
Terminando, não acha estranho que Eanes, antigo P.R. venha agora dizer em público que a Monarquia Constitucional é a mais perfeita forma de organização democrática da sociedade, garantindo a independência da representação do Estado e a equidistância relativa às forças em contenda.? Sintomático, e o mínimo que podemos dizer.
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