No seguimento do post em que tecia algumas considerações relativas ao posicionamento lógico das potências perante uma improvável União Ibérica em pleno século XXI, recebi uma simpática carta e-mail da parte do senhor Jaume Larrea. Catalão e nacionalista - segundo reivindica -, parece não ter verdadeiramente compreendido a minha posição perante a ainda imponente construção histórica que é o Estado Espanhol. Contactando-me em inglês (...?) dissertou sobre os malefícios da permanência daquela região do antigo reino de Aragão que hoje reivindica a condição de nació catalá. O pressuposto relativo aos portugueses, é que o separatismo barcelonês deverá gozar de amplo suporte para cá da fronteira e que a generalidade da nação lusa - galegos incluídos! -, espera ansiosamente a fragmentação do reino vizinho.
O discurso claramente inspirado nas diatribes do senhor Carod-Rovira, chega ao ponto de inevitavelmente tecer um rol de comparações absolutamente inacreditáveis entre os castelhanos - os "maus, ladrões e opressores" - e os catalães -os "bons, honestos, industriosos, cultos e cosmopolitas" -, sem sequer se preocupar minimamente em justificar a razão pela qual me escreve numa espécie de sub-dialecto anglo-saxónico (?), em vez de utilizar a língua de cultura de primeira água que é o catalão. Já tinha identificado o preclaro Carod-Rovira como um perfeito exemplar daquilo que é mais desprezível num político, pois é o arauto cutuqueiro de ódios sem razão, acicatando preconceitos, cultivando a marginalização dos seus semelhantes - quantos castelhanófonos vivem na Catalunha?! -, promovendo também um sagrado egoísmo tendente a evitar distribuição da riqueza em benefício solidário dos mais pobres, entre muitas outras costumeiras pechas atribuídas a histéricos de turvas intenções. Tenho-o em baixíssima conta como ser humano, pois o político eclipsa-se perante aquilo que verdadeiramente importa: o respeito pelo outro.
O senhor Larrea enganou-se na pessoa a quem pretendeu dedicar o canto da sereia. A Espanha vista como um todo, é um grande e respeitabilíssimo país na sua multiplicidade e habituou o mundo à sua indelével presença na História. Castelhano falam mais de 400 milhões de humanos e o reino é um dos pilares fundamentais daquilo que consideramos idealmente ser a Europa.
O facto de termos nascido portugueses e portugueses querermos descer à tumba - na feliz expressão do rei D. Luís -, não implica necessariamente qualquer desígnio revanchista sobre um passado de muitos conflitos e incompreensões mútuas, ditados pela férrea vontade portuguesa em construir o seu futuro autónomo, apesar de todos os escolhos consequentes da nossa exiguidade territorial, falta de recursos materiais e dependência de habilidosos e coerentes arranjos diplomáticos. A independência convém-nos e convém às potências e acredito verdadeiramente que também é conveniente a esta Espanha unida, moderna e próspera.
Para Portugal, a destruição do reino vizinho teria tremendas consequências, porque em vez de um parceiro estável e progressivo, conheceríamos uma realidade de conflitos inter-étnicos de uma provável e inaudita violência que nos remeteria para situações julgadas impossíveis na Europa do nosso tempo. Lisboa dialoga frutuosamente com Madrid, cujo imperialismo mitigado é bem conhecido e velho de séculos, fazendo até parte de um certo folclore revivalista além-fronteira. Sabemos quem são, como reagem e o que verdadeiramente pretendem muitos políticos espanhóis, ou castelhanos, como preferir. Uma independência catalã será um gravíssimo precedente na Europa ocidental e um colossal desastre na Península Ibérica, pela dissolução de vínculos entre populações, empresas, infra-estruturas e inevitáveis conflitos bélicos pelo traçado de novas fronteiras, numa febre nacionalista que incendiará aquilo que conhecemos por Espanha. Este não é um cenário interessante e minimamente desejável, porque em resposta a uma aventura catalã, teremos outras tantas sagas valencianas, bascas, galegas - um autêntico e indesejável perigo para a tranquilidade portuguesa - e, pasme--se, andaluzas, esta última com contornos vagamente islamitas. É um horrendo cenário em perspectiva e Portugal em nada beneficiará dessa fragmentação previsivelmente conflituosa e de contornos indefiníveis em termos temporais. É para Portugal mais coerente e sobretudo mais proveitoso, ter apenas um interlocutor na Ibéria, quando esse Estado vizinho se apresenta como um perfeito modelo de autonomias onde a livre expressão, circulação e decisão das populações é garantida pelo modelo adoptado em 1976.
O argumento clássico dos "nacionalistas", consiste na apresentação dos exemplos bálticos ou ex-jugoslavos, como se fosse possível proceder a comparações completamente desfazadas entre realidades tão diversas. Desta forma, posso até deixar algumas sucintas questões de fácil compreensão:
1. O que têm os idiomas baltas em comum com o russo e quais são as fundamentais diferenças de raíz entre o castelhano e o catalão? E que tipo de contrato selou a união dos povos baltas com o império russo, czarista ou estalinista?
2. Qual o papel histórico desempenhado pelos baltas na construção da grande Rússia e qual aquele exercido ao longo de séculos pelo povo e pelas elites catalãs na construção da Espanha de aquém e além mar?
3- E uma simples mas delicada questão que respeita ás relações internacionais: qual o interesse das potências europeias, dos EUA e das antigas colónias espanholas da América do Sul e Central, na pulverização do reino?
A resposta a estas três questões é tão evidente quanto desnecessária, porque significa a redução ao nada absoluto, de quaisquer veleidades secessionistas. Quanto à viabilidade de um novo pequeno Estado na Europa, a lei do mercado decerto funcionaria contra ele, chame-se o neo-nato Catalunha ou Kosovo. Não pesa, não possui massa crítica populacional, não tem um poderoso suporte ultramarino que dê corpo visível no palco das relações internacionais.
Que o senhor Rovira, candidato a condottieri de ocasião pareça não compreender a realidade das coisas, podemos aceitar. Mas que as potenciais vítimas da loucura nacionalista queiram alegremente embarcar no combóio com destino ao inferno na Terra, isso ultrapassa a compreensão de todos.
Queremos e saberemos continuar a ser Portugal e decerto almejaremos sempre a ter como vizinho, a Espanha forte, próspera e feliz que nos tranquiliza.
Como nota final, desejo também comunicar-lhe que entendi muito bem o aparentemente inexplicável ódio ao señor Borbón. Ele é o maior óbice a certos projectos onde o maquiavelismo e a velhacaria chã, surgem metamorfoseados em liberdade. Patético.
*Nota: da próxima vez pode escrever em catalão. Compreenderemos o fundamental da mensagem.
5 comentários:
Brilhante.
Saludos.
Salutacions !
Já agora, talvez não fosse má ideia pensar num estado federado de nações hispânicas, o que permitiria respeitar a autonomia de todas. Como elemento agregador manter-se-ia uma monarquia, a qual seria, no entanto, de Braganças e não de Bourbons, dado os primeiros serem a única casa real genuinamente hispânica ainda existente. Quanto à capital, podia ficar em Madrid.
Eheheheheh, anónimo, esse é um antigo projecto que o prim já nos quis oferecer há uns tempos, mas desconfio se assim fosse, os nossos amigos não iam na conversa. É que eles são daqueles do "tudo ou nada". E Lisboa e Sines são dois portos preciosos, não é?
Touché Nuno! Um diplomata não diria melhor! Até porque, em traços simples, pelo menos quanto à questão da nossa independência conjugada com uma qualquer tendência revanchista, se soubessem o quão habilidosamente o nosso aparelho diplomático sempre trabalho essa questão durante a Guerra Civil de Espanha e, posteriormente, no período Franquista...Salazar bem sabia os perigos da secessão em Espanha, Portugal era já ali ao lado...
Estoy totalmente de acuerdo con tu comentario. Saludos y abrazos desde Barcelona. Sí a la libertad y sí a un estado español unido y fuerte.
Abrazos.
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