quarta-feira, 28 de maio de 2008

O absurdo ou o esquecimento conveniente


Os telejornais da hora de jantar da passada terça-feira, passaram várias entrevistas com comentadores que centraram as respectivas ladainhas nos estudos sociológicos do dr. Alfredo Bruto da Costa e no alarmante artigo de Mário Soares. O tema foi a inevitável e bem conhecida pobreza que nos últimos vinte anos tem sido habilidosamente escondida pelo biombo dos Fundos Estruturais, pelo chamado crédito fácil para todos e por uma inigualável propaganda de que não há memória desde os tempos do inefável Costa.

A interrogação sobre o porquê da persistência de uma situação que há muito devia ter sido colmatada pelo investimento feito no combate à exclusão e pobreza, não encontra respostas fáceis ou plausíveis. Aparentemente, os agentes da grande política nacional esgotaram os recursos oratórios e os argumentos tendentes à apresentação de razões e soluções, volatilizaram-se perante a realidade dos factos.

Gostaríamos apenas de deixar algumas questões, tanto aos poderes do Estado - órgãos de soberania -, como aos sempre reivindicadores e por vezes impertinentes privados.

1. Após a normalização de 1976, existiu algum plano concertado para o desenvolvimento e modernização da indústria portuguesa que oferecia tão positivas perspectivas apenas cinco anos antes?

2. Das grandes obras daquilo a que se chamava Fomento Nacional e entre as quais situamos a construção naval - Lisnave e Setenave -, quais as verdadeiras  razões para a sua inexorável liquidação? O argumento da concorrência dos mercados asiáticos não pode ser considerado, uma vez que esse tipo de indústria continua a produzir em pleno, em Espanha, na Alemanha, França ou Itália.

3. Existindo estudos sobejamente conhecidos e da autoria do arq. Telles e do seu grupo de trabalho, pode o regime apresentar-nos as razões do seu desinteresse relativo ao ordenamento territorial, aspecto vital do desenvolvimento equilibrado, da fixação de populações e de sectores económicos e da preservação da paisagem - esta nos seus múltiplos aspectos, desde a natural à monumental -, factor absolutamente imprescindível para um país de escassos recursos que tem no turismo uma potencial e prodigiosa fonte de receita?

4. Tendo Portugal recebido importantíssimas somas provenientes do Fundo de Coesão, quais foram os critérios seleccionados para a sua aplicação? Desde 1986 até aos nossos dias, não parece notório um salto qualitativo na diversificação da produção - apesar do inegável aumento da exportação de maquinaria - e principalmente, no ponto vital que é a formação profissional.
A pergunta deverá ser endereçada aos drs. Mário Soares e Cavaco Silva, os principais responsáveis pelas opções políticas e económicas dos seus governos.

5. Como foi possível o abandono total de uma política de controle sobre a especulação imobiliária desenfreada que o país vive já há mais de 25 anos? Como poderemos explicar o facto dos preços de casas em Lisboa, serem superiores aos de Berlim, ao mesmo tempo que se assiste à destruição devastas áreas em redor das grandes cidades, devido ao desvario de uma política de cedência diante do sector do betão?

6. O Estado administrou empresas nacionalizadas durante o PREC e o preço foi pago pelo contribuinte. Como se explica então que tendo sido algumas destas empresas colocadas sob a direcção competente de gestores altamente qualificados e pagos que conseguiram torná-las em valiosas entidades lucrativas, se verifica hoje um inaceitável propósito de alienação de património nacional que corre sérios riscos de fragmentação e desaparecimento em manobras especulativas?

7. Conhecendo as causas profundas dos males que minam a sociedade portuguesa, as entidades competentes decerto não desconhecem a necessidade imperiosa de proporcionar o exemplo a dar aos cidadãos. Desta forma, como é possível que se mantenham privilégios que raiam o simples saque, concedidos a detentores de cargos públicos? Como pode parecer normal o brutal gasto de entidades como o Palácio de Belém - e as dúzias de assessores que tornam a dispensável "presidência da república" num voraz Moloch esbanjador de recursos, gastando mais 30% do orçamento concedido pelo governo Zapatero à Casa Real -, os serviços adstritos aos ministérios e secretarias de Estado, Parlamento, E.P's e uma infindável lista de comissões de estudos, comissões instaladoras, etc? Como se justifica perante a população, a apresentação de contas exorbitantes de despesas de representação pouco credíveis e roçando a simples lambujem? 

8. Como é possível os detentores do Poder permitirem diante de uma opinião pública indignada e estupefacta, a entrega de zonas de interesse colectivo - como a frente ribeirinha ou vastos terrenos em pleno centro da capital -, a entidades ligadas a negócios controversos e de contornos indefinidos?

9. Como se explica o agravamento radical da situação de débito da generalidade das famílias portuguesas, ao mesmo tempo que os bancos publicam relatórios de contas onde os lucros fabulosos só encontram uma correspondência inversa no constante esbulhar dos depositantes, através de normas abusivas e de serviços desnecessários e não solicitados?

10. Pode o Estado explicar com clareza, a natureza das negociações celebradas entre Portugal e o regime venezuelano? Trata-se de um acordo que beneficia o país no seu todo, ou apenas abre  novas perspectivas de ingentes lucros a uma certa e timorata iniciativa privada que vive do mero financismo e especulação, acobertada por um poder que dela depende? Será o Estado o mero agente de interesses que sustentam o sistema?

São estas algumas questões que todos os portugueses colocam quotidianamente e para as quais não parece existir qualquer vontade ou garantia de resposta credível ou satisfatória. A imensa maioria da população está exausta por uma depressão que não sendo apenas económica, mina os próprios fundamentos da consciência nacional. Não pretendendo qualquer revolução tumultuosa e depredadora, logo suicidária, almeja contudo, a plena garantia de um progresso que baseado na educação e autoridade democrática, garanta o futuro. Este modelo de solução baseada na simples casuística que dá corpo ao regime, chegou ao fim. Urge pensar noutra democracia. Da nossa parte, conhecemos bem quais os caminhos a trilhar. O tempo urge.


2 comentários:

António Bastos disse...

Excelente texto, Nuno. São essas questões que todos nós portugueses gostariamos de ver respondidas. A postura do Cavaco, tal como Soares e quejandos, é repelente fazendo-se passar por uma virgem da política que foi lançada de para-quedas neste paraíso sem quaisquer "culpas no cartório" nem qualquer passado político. Somos sugados até à medula por um bando de cleprtocratas. É triste dize-lo mas no estado a que isto chegou quanto pior melhor na medida em que só assim se pode esperar algo (o quê?) que ponha termo ao saque. Gostei de ler este post. Um abraço

Nuno Castelo-Branco disse...

António, tudo isto se trata de mera converseta de café, do senso comum. Contudo, duvido muito que ofereçam respostas minimamente credíveis para estas questões tão evidentes.
Abraço,
Nuno