Olá Sitoi
Em resposta à minha carta da semana passada falaste-me, como muitos outros têm falado, da grande ingratidão manifestada pelos sul-africanos em relação a um país, como o nosso, que acolheu os militantes do ANC, durante o tempo do apartheid e, por isso, sofreu todo o tipo de agressões e atropelos.
E, se olharmos para os aspectos morais e políticos, tens toda a razão, meu bom amigo.
Só que o fenómeno a que estamos a assistir tem, na minha opinião, mais que ver com a economia do que com a moral e a política.
Porque, em termos económicos, não há paralelo possivel.
Os sul-africanos que estiveram refugiados em Moçambique quantos terão sido? 1000? Provavelmente nem tantos, contando aqui a ala militar do Unkontho We Sizwe, que transitava frequentemente para dentro e para fora da África do Sul.
E este número, como podes perceber, não se pode comparar com a verdadeira invasão de zimbabueanos, com números na casa dos milhões. São realidades completamente diferentes.
Mais do que isso. Os sul-africanos que viveram entre nós, na sua maioria, não competiram no mercado de trabalho com os moçambicanos mais pobres. Ou eram autónomos, recebendo os seus abastecimentos da Direcção do ANC, ou eram quadros com formação elevada e até ajudaram a tapar buracos que tinhamos em muitos sectores, nomeadamente no ensino universitário.
Os mais velhos recordam que, muitas vezes, no tempo em que as nossas prateleiras estavam vazias, eram pessoas do ANC que ajudavam os seus amigos moçambicanos com uns ovos, umas batatas e, porque não, com uma ou outra garrafa de vinho ou de whisky.
O peso da presença deles foi em termos da nossa soberania agredida, dos mortos e feridos nas incursões do regime de Pretória, no apoio à guerra de desestabilização da Renamo, na destruição de infra-estruturas de todo o tipo.
Não foi a competição, ao nivel da subsistência, entre o pobre sul-africano e o pobre imigrante na África do Sul.
Essa é a realidade de hoje na África do Sul. E será a realidade em Moçambique se os zimbabuenos decidirem trocar a insegurança da terra do Rand pelo nosso hospitaleiro país.
Tu já pensaste no que significaria a entrada nem que fosse “apenas” de um milhão de zimbabueanos para as nossas principais cidades? O que isso provocaria? Pensa lá bem.
É por isso que eu tenho vindo a defender que é necessário travar a violência xenófoba na África do Sul mas, em paralelo, tratar de resolver a verdadeira causa do problema.
A xenofobia tem, em quase todo o mundo, uma base económica e, ou se resolvem os problemas económicos que estão na sua origem ou a xenofobia não desaparece por si só. Pode ser reprimida e controlada mas, quando a barriga apertar, novamente haberá multidões à procura do diferente, do estrangeiro, do outro que também luta pelo mesmo pedaço de pão.
Não, Sitoi. Não creio que os sul-africanos sejam ingratos. Estou convencido que aqueles que estiveram refugiados em Moçambique sentem estas agressões como nós próprios as sentimos. E as declarações dos principais dirigentes, desde Thabo Mbeki a Jacob Zuma têm sido claras sobre isso.
Os problemas estão na base, nos desempregados que vivem nas cidades, nos que sobrevivem na economia informal. Foi para esses que a chegada dos zimbabueanos se tornou uma agressão.
Esses, Sitoi, não são politizados, não avaliam as coisas em termos de correcção política.
E, mais grave do que isso, estão misturados com todo o tipo de marginais e delinquentes que, nestes momentos, facilmente viram as coisas a seu favor, isto é da roubalheira e do saque dos bens alheios.
Tudo isto é muito sensível. Tudo isto exige grande cautela, por um lado, e firmeza por outro.
Que os espíritos dos antepassados iluminem os dirigentes da região, que bem precisados estão eles disso neste momento.
Um abraço para ti do
Em resposta à minha carta da semana passada falaste-me, como muitos outros têm falado, da grande ingratidão manifestada pelos sul-africanos em relação a um país, como o nosso, que acolheu os militantes do ANC, durante o tempo do apartheid e, por isso, sofreu todo o tipo de agressões e atropelos.
E, se olharmos para os aspectos morais e políticos, tens toda a razão, meu bom amigo.
Só que o fenómeno a que estamos a assistir tem, na minha opinião, mais que ver com a economia do que com a moral e a política.
Porque, em termos económicos, não há paralelo possivel.
Os sul-africanos que estiveram refugiados em Moçambique quantos terão sido? 1000? Provavelmente nem tantos, contando aqui a ala militar do Unkontho We Sizwe, que transitava frequentemente para dentro e para fora da África do Sul.
E este número, como podes perceber, não se pode comparar com a verdadeira invasão de zimbabueanos, com números na casa dos milhões. São realidades completamente diferentes.
Mais do que isso. Os sul-africanos que viveram entre nós, na sua maioria, não competiram no mercado de trabalho com os moçambicanos mais pobres. Ou eram autónomos, recebendo os seus abastecimentos da Direcção do ANC, ou eram quadros com formação elevada e até ajudaram a tapar buracos que tinhamos em muitos sectores, nomeadamente no ensino universitário.
Os mais velhos recordam que, muitas vezes, no tempo em que as nossas prateleiras estavam vazias, eram pessoas do ANC que ajudavam os seus amigos moçambicanos com uns ovos, umas batatas e, porque não, com uma ou outra garrafa de vinho ou de whisky.
O peso da presença deles foi em termos da nossa soberania agredida, dos mortos e feridos nas incursões do regime de Pretória, no apoio à guerra de desestabilização da Renamo, na destruição de infra-estruturas de todo o tipo.
Não foi a competição, ao nivel da subsistência, entre o pobre sul-africano e o pobre imigrante na África do Sul.
Essa é a realidade de hoje na África do Sul. E será a realidade em Moçambique se os zimbabuenos decidirem trocar a insegurança da terra do Rand pelo nosso hospitaleiro país.
Tu já pensaste no que significaria a entrada nem que fosse “apenas” de um milhão de zimbabueanos para as nossas principais cidades? O que isso provocaria? Pensa lá bem.
É por isso que eu tenho vindo a defender que é necessário travar a violência xenófoba na África do Sul mas, em paralelo, tratar de resolver a verdadeira causa do problema.
A xenofobia tem, em quase todo o mundo, uma base económica e, ou se resolvem os problemas económicos que estão na sua origem ou a xenofobia não desaparece por si só. Pode ser reprimida e controlada mas, quando a barriga apertar, novamente haberá multidões à procura do diferente, do estrangeiro, do outro que também luta pelo mesmo pedaço de pão.
Não, Sitoi. Não creio que os sul-africanos sejam ingratos. Estou convencido que aqueles que estiveram refugiados em Moçambique sentem estas agressões como nós próprios as sentimos. E as declarações dos principais dirigentes, desde Thabo Mbeki a Jacob Zuma têm sido claras sobre isso.
Os problemas estão na base, nos desempregados que vivem nas cidades, nos que sobrevivem na economia informal. Foi para esses que a chegada dos zimbabueanos se tornou uma agressão.
Esses, Sitoi, não são politizados, não avaliam as coisas em termos de correcção política.
E, mais grave do que isso, estão misturados com todo o tipo de marginais e delinquentes que, nestes momentos, facilmente viram as coisas a seu favor, isto é da roubalheira e do saque dos bens alheios.
Tudo isto é muito sensível. Tudo isto exige grande cautela, por um lado, e firmeza por outro.
Que os espíritos dos antepassados iluminem os dirigentes da região, que bem precisados estão eles disso neste momento.
Um abraço para ti do
5 comentários:
Fronteiras mal desenhadas no século XIX; independências apressadas sem atender a uma devida formação de quadros; confronto entre as superpotências da Guerra Fria; oligarquias instaladas em benefício próprio e das grandes empresas estrangeiras; desinteresse pela "sorte do negro inferior". É este o quadro que compõe a África de hoje que decerto merece melhores dias. O homem branco tem responsabilidades históricas, assim como os independentistas que se encontram no poder há décadas. Ambos parecem desinteressar-se do cataclismo que se abateu sobre o continente inteiro e uma vez mais, do Cabo ao Cairo. Que ironia...
Que os espíritos dos antepassados iluminem mas é toda a gente...*
Sobre essas "independências apressadas" repito aqui o que uma vendedora de fruta num mercado em Angola perguntou a uma amiga minha que lá estava a dar aulas:- "Professora, quando acaba essa tal de independência?"...
Mais elucidativo...
E isto não é nada, se acompanharmos os textos com imagens, essas sim, indigeríveis por qualquer criatura normal.
E já agora, para esclarecer os leitores: o MAGNÍFICO edifício, é a impressionante Câmara Municipal de Lourenço Marques. Lembro-me dos tempos em que me parecia absolutamente colossal e pelos vistos,ainda é...
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