quarta-feira, 28 de maio de 2008

Noções de História económica

Num post um pouco abaixo falo que para rebater os disparates que se dizem liberais que andam a crescer na opinião pública portuguesa bastava ter umas noções de história económica e assim é. Se algum desses senhores se der ao trabalho de ler Alfred D. Chandler (ou um dos continuadores do seu trabalho) que é o pai da história económica ficaria a saber que o domino de mercado se constrói a partir da segunda revolução industrial, especialmente com os caminhos de ferro e o telégrafo - o livro de referência é o "scale and scope" que é massivamente inclusivo e chato. E que as empresas tradicionais que se adaptaram a esse meio se encontram essencialmente nos EUA por algumas razões simples. Em primeiro lugar os Estados Unidos fizeram um uso mais intensivo das novas tecnologias porque além de terem um espaço geográfico gigante e uma população dispersa não tinham meios de comunicação que existiam noutras regiões (exemplo: estradas na Alemanha e canais no Reino Unido). Depois eram um país livre das oligarquias europeias o que permitia a emergência de novos actores.

Além de beneficiarem dessa vantagem de localização as empresas americanas ainda beneficiaram do facto de terem sido as primeiras a efectuar os investimentos críticos dessa era: produção industrial maximizada de acordo com o mercado. Distribuição controlada ou assegurada pela própria empresa e hierarquização dos diferentes níveis da empresa. Como Chandler demonstra quem quer que fizesse estes 3 investimentos chave dominaria o seu mercado interno e tornaria a emergência de qualquer competidor muito mas muito difícil – para produzir nesta escala é preciso ter um numero mínimo de unidades muito elevado o que significa que qualquer pessoa que entre no mercado corre o risco de ficar com as suas unidades no armazém –além de muitas vezes não ter acesso à tecnologia em questão que lhe permita criar um produto superior. Em resumo, a partir do momento que falamos de um certo nível de produção as noções clássicas de Adam Smtih são irrelevantes e as realidades do oligopólio e do monopólio impõem-se – juntamente com a plutocracia no campo político. O que se aplica dentro de um país também se aplica à competição mundial e mais uma vez os americanos, Ingleses e Alemães estão solidamente implantados desde 1880 enquanto as pequenas e médias nações que só se industrializaram depois sistematicamente falharam em levar a cabo projectos similares – para detalhes de um case study deve-se ler o trabalho do professor Franco Amatori sobre a industrialização italiana.

6 comentários:

osátiro disse...

E creio que isso tb explica porque é que a economia dos EUA não irá desabar como alguns (queriam) "adivinham".
Ainda hoje se soube que a encomenda de bens duradouros subiu mais do que o previsto-sinal de que as exportações e as fábricas estão em alta.

Nuno Castelo-Branco disse...

Com o dólar ao preço que está, é natural que surjam grandes encomendas. No entanto, do texto do Pedro saliento a passagem demonstrativa de Chandler. Como explicamos então, que autênticos "anões" demográficos e territoriais como a Corei do Sul, tenham conquistado quotas importantes nas exportações? Quanto ao caso italiano, há que ter em conta a economia paralela e a exportação de produtos de qualidade, factor não negligenciável. No entanto, tenho certas dúvidas acerca desse escondido isolacionismo que o texto do Pedro parece apontar como razão de sucesso. É difícil entrar no mercado americano? E então, factores como a deslocalização, subcontratação e o importante advento da China ao mercado livre? As lojas americanas estão cheias de produtos chineses, como nos anos sessenta estavam inundadas de artigos made in Japan.
Quanto aos disparates dos "liberais" da nossa casa, creio que eles próprios ainda não perceberam que o termo em Portugal, pode querer dizer apenas alinhamento com a democracia pluripartidária e representativa, porque se formos para o âmbito da economia, não me parece que assim seja. O Estado é de facto - para o bem e para o mal -, um factor fundamental. As poucas entidades privadas com algum poder económico, não têm investido nas novas tecnologias e na produção de artigos industriais e inovadores, pois dedicam-se à especulação imobiliária e aos serviços. Singapura também é um centro de serviços, mas a escala territorial, a situação geográfica e organização social são completamente diversas. Não existe ponto de comparação possível. A menos que queiram transformar Portugal num enorme Liechsteinstein. A Europa de Bruxelas não quer nem deixa.

Samuel de Paiva Pires disse...

"Em resumo, a partir do momento que falamos de um certo nível de produção as noções clássicas de Adam Smtih são irrelevantes e as realidades do oligopólio e do monopólio impõem-se – juntamente com a plutocracia no campo político."

Concordo em pleno meu caro Pedro, e é a partir dessas realidades nter-relacionadas que surge o fenómeno comummente designado por corrupção...nos países latinos, pelo menos, infelizmente...

Continuo a achar que o ideal liberalismo de que muitos falam, está em muito dependente da psicologia dos povos, área perigosa, pois fazem-se generalizações e inferências nem sempre muito correctas, mas que, pelo menos é minha convicção, no caso, se apresentam como fulcrais para a explicação das diferenças entre os povos latinos e nórdicos, mais uma vez, a religião. O protestantismo, como bem explicou Weber, é a pedra de toque do liberalismo ideal, i.e., em termos económicos, o comum capitalismo. Porque depois também há liberalismo político, ideológico ou doutrinário clássico...

Pedro Fontela disse...

Nuno,

Todos os tigres asiáticos caíram sozinhos… eram economias de especulação que nunca voltaram a recuperar a sua pujança. A única economia de escala que existe na Ásia é a China, o resto é um misto de nichos de mercado e protectorados políticos com ligações económicas a uma grande potência. O caso Italiano é realmente o modelo da industrialização falhada. À falta de grandes actores económicos o estado sempre foi a grande fonte de crédito para os investimentos massivos necessários para um processo de industrialização (começado na monarquia e continuado sem repouso durante o fascismo) só que eventualmente o milagre italiano provou que não tinha pernas para andar porque não podia competir de igual para igual com os gigantes mundiais a partir dos anos 60 e agravando-se a situação nos anos 70. O que salvou a economia Italiana da recessão foi uma coisa o que Amatori designou “modellacio” (uma espécie de modelo ou um modelo estranho) que é a concentração mais ou menos acidental de distritos de produção muito especifica em que grande numero de micro-empresas continuavam a prosperar mas mesmo assim ele próprio admite que isso só serviu para estancar as perdas colossais do falhanço industrial e que não pode continuar nos moldes actuais sem cair em arcaísmo. Ou seja, o sistema italiano não é sustentável.

Talvez o único caso real de uma industrialização tardia bem sucedida seja o Japão – um caso em tudo similar à Itália até 1950 – mas mais uma vez é preciso contar com os factores políticos que entraram em jogo e com o facto de que quando a expansão industrial japonesa começou (ou seja, quando ultrapassou a fase da insipiência) existiam vastos domínios coloniais na China e na Coreia o que lhe assegurava um escoamento de produção (e abastecimento) mesmo sem qualquer ligação a outra potência.

Espero mesmo que ninguém pense que o caminho para Portugal passe por ser um “tax haven” para as fraudes económicas desta Europa. Aliás o caminho deve precisamente por levar os micro-estados a fechar as portas a este capital e a regular as fontes de rendimento dos seus clientes. A Alemanha já há uns meses tomou alguns passos no sentido de intimidar o Liechsenteisn e só parou porque a comissão Europeia não teve a coluna vertebral de a apoiar na busca por transparência e prevenção à fuga fiscal.

Pedro Fontela disse...

Samuel,

Eu penso que cais num erro algo grande ao assumir que isso é um fenómeno exclusivamente latino. Pelo contrário, é universal tirando países com um elevado nível de envolvimento cívico só que os anglo-saxões acharam por bem legalizar e estruturar a corrupção deles sobre a forma de lobbying entre outros subterfúgios – aliás se o protestantismo fosse a garantia de um sistema económico sem problemas a actual administração americana não estaria enterrada até ao pescoço em casos de favorecimento pessoal.

Em termos de ideologias sinceramente só vejo valor no liberalismo político. É a única que nos traz garantias a todos em vez de vagas promessas de melhor vida num futuro desde que aceitemos a irresponsabilidade da instituição empresa. E digo mais… acho extremamente curioso que os mais fervorosos defensores do ultra capitalismo moderno sejam antigos comunistas… cada um tire as ilações que bem entender…

Anônimo disse...

Quanto ao que dizes relativamente ao liberalismo, é isso mesmo e já não é coisa pouca. E é um modelo moderadamente exportável, salvo as naturais diferenças de organização social existentes no resto do mundo.

*Resto do mundo... como isto soa a anacronismo!
Nuno CB