quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Croniquetas Republicanas (3)


A Camioneta Fantasma

Caía a noite a 1 de Fevereiro de 1908, quando um exultante Machado Santos, procurava secundar o Regicídio, sublevando a guarnição do quartel de Campo de Ourique. O assassinato de D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, era uma oportunidade para os republicanos que embora tivessem a cidade coagida pelo medo, não conseguiram derrubar o regime.

Naquela noite de 19 de Outubro de 1921, Machado Santos não terá porventura, recordado esse já longínquo final de dia de há catorze anos. No entanto, tal como o rei que odiara, caiu varado por balas assassinas, mas bem consciente do fim que se avizinhava. Junto ao chafariz de Arroios - ainda existe e foi recentemente restaurado -, foi fuzilado sumariamente, às mãos de um bando de marinheiros sublevados e de homens da guarda pretoriana do regime, a GNR.

Sob o comando do famigerado rufia radical Abel Olímpio - o Dente de Ouro -, e procedendo a uma recolha sistematica daqueles que haviam apoiado ou nutrido simpatias pelo sidonismo, a Camioneta Fantasma percorreu as ruas de Lisboa, num trajecto que teve como terminal o Arsenal da Marinha, ao Terreiro do Paço. Aí, após insultos e agressões físicas, caíram crivados de balas, Carlos da Maia, o ex-primeiro ministro António Granjo, o comandante Freitas da Silva e o coronel Botelho de Vasconcelos.

Este Portugal alegadamente de "brandos costumes" que a auto complacência nacional propagandeia como virtude singular, estava desde os anos 80 do século XIX, habituado à violência verbal, às correrias, distúrbios e algazarras sediciosas. A conspiração, a manufactura de bombas e a eliminação de partidários da ordem Constitucional, eram actividades naturalmente consideradas pelos responsáveis do prp, como acções necessárias à instauração do novo regime. Ao longo de três conturbadas décadas, criou-se o estado de espírito tendente a aceitar todo o tipo de violências, depredações e a recusa reflexiva de qualquer poder constituído. Não tinham os chefes republicanos ido em constantes romagens, homenagear o Buíça e o Costa ao coval do Alto de S. João?

Na fase final da Grande Guerra, o chamado Sidonismo tinha ensaiado uma reformulação do regime, num sentido presidencial e autoritário, e enfrentou de imediato, a férrea oposição do partido de Afonso Costa e dos sectores jacobinos mais radicais. A GNR era muito diferente daquela que hoje conhecemos e na região de Lisboa - o centro político onde tudo se decidia -, contava com mais de 14.000 soldados, poderosamente armados com metralhadoras e artilharia, surgindo como uma garantia da república contra sublevações populares ou do exército.

Com a colaboração de jornalistas - detalhe interessante e elucidativo do clima subversivo que os media inculcaram na sociedade -, foram assim eliminados, alguns dos vultos mais proeminentes do 5 de Outubro de 1910.

O regime que dentro de alguns meses esta 3ª república pretenderá comemorar, assentou palafitas num lago de sangue, onde soprou desde a sua turbulenta génese, o vendaval da violência, livre arbítrio, coacção física e moral.

A situação de então, é eloquentemente justificada pelo republicano Cunha Leal que diria ..." o sangue correu pela inconsciência da turba, a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda à solta, matando por que é preciso matar (...) é esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama"... Jaime Cortesão acrescentaria: "sim, diga-se a verdade toda. Os crimes que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa".

Lendo os jornais diários e escutando os actuais chefes políticos, questiono--me acerca do futuro. Portugal vive um momento propiciador de uma erupção violenta que irrompendo inesperadamente, mais catastrófica poderá ser. Quantos Dentes de Ouro andarão por aí?

3 comentários:

Anônimo disse...

Não obstante conhecer já, relativamente bem, o episódio aqui focado, foi com interesse, de quem gosta de revisitar amiúde o nosso passado, nos seus bons e maus momentos, que li este texto, que, além do mais, me trouxe como novidade os depoimentos de Cunha Leal e Jaime Cortesão.
Tenho de procurar as "Croniquetas" 1 e 2...

Anônimo disse...

O Nuno tem razão, um dia destes ainda teremos uma surpresa do género. Com esta imprensa que não respeita nada nem ninguem, acabaremos por repetir dramas do passado. Este episódio foi uma vergonha e talvez como o texto diz, um fruto daquilo que a banditagem do regime do 5 de Outubro semeou. Aqueles miseráveis todos que planearam o regicídio e muito gozaram com a façanha, acabaram muito mal. Por mim, não tenho pena e como dizia o Junqueiro, fico de olhos secos.
Pedro matias
Lisboa

Anônimo disse...

Este texto peca por moderação. O episódio foi muito mais brutal e é um bom exemplo do regime de Afonso Costa. Pagámos e pagaram eles bem caro o regicídio. E nem sei como é que os nossos antepassados os aguentaram 16 anos, deviam andar mortos de medo