Quem utilize o metropolitano de Lisboa, tem hoje à sua disposição, cerca de meia dezena de jornais gratuitos. Além de servirem para entreter os passageiros durante um trajecto não muito longo, dão a conhecer as principais notícias do momento. Num país onde a falta de hábitos de leitura é por todos reconhecida, estas folhas, têm o mérito de trazer ao conhecimento de muitos, factos ou problemas que de outra forma, seriam ignorados. Alguns editoriais, colocam questões, que não sendo objecto dos noticiários quotidianos, levam os portugueses a interrogar-se sobre o próprio sentido da sua existência como nação. Suscitam também a questão ou o porquê, da intermitência de períodos de acalmia política, com outros, mais frequentes, de profunda divisão do país em campos aparentemente irreconciliáveis.
As cerimónias do centenário do Regicídio, parece terem despertado de uma letargia de décadas, os eternos confrontos de outrora, onde dois países se guerreavam frequentemente, devido a posições antagónicas de interesses instalados. Assim aconteceu desde o fim da guerra civil (1834) e as cerca de três décadas de pronunciamentos militares, sublevações populares e guerrilha interpartidária, foram interrompidas com a chamada Regeneração. Este período de desenvolvimento material e de consolidação do regime da Carta, deu a Portugal a possiblidade de aproximação a uma "Europa" que era o modelo apontado por todos os agentes políticos e económicos. As questões políticas decorreram quase sempre das maiores ou menores dificuldades financeiras que o Estado - o eterno e verdadeiro motor da economia - enfrentou.
A Carta, se foi capaz de enquadrar os interventores no processo de mudança social e institucional posterior à guerra civil, consagrou o chefe do Estado como a peça fundamental para o funcionamento do sistema. A alternância no poder era encarada como o factor normal de estabilidade, contentando aparelhos de organização partidária muito diversos daqueles que hoje possuímos. Desta forma, qualquer perturbação financeira - o eterno problema português -, repercutir-se-ia sempre no normal funcionamento da regra estabelecida.
É hoje extremamente difícil entendermos o sistema da Monarquia Constitucional, porque o papel dos agentes políticos, a estrutura social e a própria economia são muito diversas daquelas que Portugal vivia há 120 anos. O aparente início do desabar deste edifício, é vulgarmente datado da época do Ultimato britânico. Foi-nos assim proposta uma data que sabemos hoje ser simples convenção, para o arranque de conflitos, que coincidem igualmente com a chegada às cidades, de uma multidão de novos habitantes que na indústria procuram trabalho e mais proventos.
Temos assim, o quadro ideal para a mitificação da luta pelo chamado progresso. Progresso este não definido em concreto, porque baseado apenas em promessas de redenção. Uma mensagem simplista é sempre susceptível de cativar um largo espectro de potenciais militantes, porque o fim único é a conquista de uma vida melhor e a igualdade entre cidadãos. Foi esta a mensagem simples, perceptível e atraente do p.r.p.
Os mais instruídos e conscientes das realidades, jamais tiveram dúvidas acerca da base demagógica e facilitista dos chamados "avançados", que num país ainda profundamente rural, propunham num ápice, através da "gestão honesta, economias e seriedade dos homens", regenerar Portugal, transformando-o numa outra Suíça. A promessa de criação de indústrias, estradas e pontes; um comércio florescente e uma educação generalizada; umas forças armadas de dimensão imperial e uma marinha que exibisse couraçados e cruzadores do último modelo, eram objectivos atingíveis. Evidentemente, a fé substituía a necessidade da explicação do Como...? Eram promessas concretas que todos queriam acreditar possíveis de realizar e para cúmulo, com o sacrifício de quatro ou cinco pessoas. Parecia simples e exequível.
As coisas não mudaram muito e os discursos dos actuais Rotativos são sensivelmente semelhantes. Contudo, o 1º de Fevereiro de 2008 trouxe ao debate, divisões ou problemas que pareciam não existir. No parlamento, a clivagem foi clara e se a direita defendeu de forma explícita - em alguns casos de forma bem vibrante - a Monarquia, a esquerda, ou melhor, uma parte dela (dado que o incómodo e silêncio de muitos deputados socialistas era evidente), sentiu a sua República em perigo. Perigo imaginário e conveniente, porque mobilizador e propiciador de camaradagem de princípios há muito esquecidos ou tornados obsoletos pelo nosso tempo. Os monárquicos decerto rejubilaram com o inegável sucesso obtido e tiveram uma certeza que já é segura, de capitalizar uma expressão muito mais lata do que se possa à primeira vista imaginar.
No "Destak" de hoje , dia 7, João César das Neves reconhece-o claramente, porque diz que os monárquicos "centraram com realismo e elevação, a sua atenção nas qualidades pessoais de D. Carlos I". Tendo evitado cuidadosamente provocações ao regime, sabiam que a ala mais intransigente e irracional do republicanismo clubista, faria eclodir uma reacção "...abespinhada e truculenta"... Na verdade, cremos que caíram na armadilha e reacenderam a questão adormecida. É que as contradições entre princípios desde sempre proclamados como pertença exclusiva de um certo jacobinismo mal disfarçado, tornaram-se para todos evidentes. A pena de morte e a subversão da legalidade instituída e constitucional - Portugal não sofria um regime de qualquer tipo de absolutismo -, surgem como pontos de discórdia e os monárquicos, assumidos ou não, venceram em toda a linha. A sociedade percebeu a mensagem e os telejornais inadvertidamente ampliaram o debate, que chegou às conversas de café.
No "Meia Hora" de hoje, Luciano Amaral também escreve sobre "A nossa história" e lamenta a ..."falta de maturidade que revela em lidar com o passado e (...) o empobrecimento do horizonte histórico. Na verdade é que quando saímos daqui, parece que voltamos à guerra civil larvar do nosso século XX.
O leitor dos jornais gratuitos, talvez jamais se tivesse interessado em colocar questões de identidade ou de natureza do regime. Hoje parece não ser bem assim na área da política e ao avizinharem-se as comemorações do centenário da República, creio bem que a tentação de desforra será irresistível.
O programa divulgado já disso dá indícios e a actividade de algumas organizações satélites, irá reavivar ódios velhos, radicalismos anacrónicos e pueris manifestações de supremacia. A batalha ainda mal começou e já a perderam. É que numa época da crise que conduz ao medo do desconhecido, a âncora de um passado de uma sempre acreditada grandeza perdida, oferece um porto de chegada possível
Há quem disso não tem qualquer dúvida e decerto, saberá aproveitar a oportunidade que afinal, não era tão inesperada.
As cerimónias do centenário do Regicídio, parece terem despertado de uma letargia de décadas, os eternos confrontos de outrora, onde dois países se guerreavam frequentemente, devido a posições antagónicas de interesses instalados. Assim aconteceu desde o fim da guerra civil (1834) e as cerca de três décadas de pronunciamentos militares, sublevações populares e guerrilha interpartidária, foram interrompidas com a chamada Regeneração. Este período de desenvolvimento material e de consolidação do regime da Carta, deu a Portugal a possiblidade de aproximação a uma "Europa" que era o modelo apontado por todos os agentes políticos e económicos. As questões políticas decorreram quase sempre das maiores ou menores dificuldades financeiras que o Estado - o eterno e verdadeiro motor da economia - enfrentou.
A Carta, se foi capaz de enquadrar os interventores no processo de mudança social e institucional posterior à guerra civil, consagrou o chefe do Estado como a peça fundamental para o funcionamento do sistema. A alternância no poder era encarada como o factor normal de estabilidade, contentando aparelhos de organização partidária muito diversos daqueles que hoje possuímos. Desta forma, qualquer perturbação financeira - o eterno problema português -, repercutir-se-ia sempre no normal funcionamento da regra estabelecida.
É hoje extremamente difícil entendermos o sistema da Monarquia Constitucional, porque o papel dos agentes políticos, a estrutura social e a própria economia são muito diversas daquelas que Portugal vivia há 120 anos. O aparente início do desabar deste edifício, é vulgarmente datado da época do Ultimato britânico. Foi-nos assim proposta uma data que sabemos hoje ser simples convenção, para o arranque de conflitos, que coincidem igualmente com a chegada às cidades, de uma multidão de novos habitantes que na indústria procuram trabalho e mais proventos.
Temos assim, o quadro ideal para a mitificação da luta pelo chamado progresso. Progresso este não definido em concreto, porque baseado apenas em promessas de redenção. Uma mensagem simplista é sempre susceptível de cativar um largo espectro de potenciais militantes, porque o fim único é a conquista de uma vida melhor e a igualdade entre cidadãos. Foi esta a mensagem simples, perceptível e atraente do p.r.p.
Os mais instruídos e conscientes das realidades, jamais tiveram dúvidas acerca da base demagógica e facilitista dos chamados "avançados", que num país ainda profundamente rural, propunham num ápice, através da "gestão honesta, economias e seriedade dos homens", regenerar Portugal, transformando-o numa outra Suíça. A promessa de criação de indústrias, estradas e pontes; um comércio florescente e uma educação generalizada; umas forças armadas de dimensão imperial e uma marinha que exibisse couraçados e cruzadores do último modelo, eram objectivos atingíveis. Evidentemente, a fé substituía a necessidade da explicação do Como...? Eram promessas concretas que todos queriam acreditar possíveis de realizar e para cúmulo, com o sacrifício de quatro ou cinco pessoas. Parecia simples e exequível.
As coisas não mudaram muito e os discursos dos actuais Rotativos são sensivelmente semelhantes. Contudo, o 1º de Fevereiro de 2008 trouxe ao debate, divisões ou problemas que pareciam não existir. No parlamento, a clivagem foi clara e se a direita defendeu de forma explícita - em alguns casos de forma bem vibrante - a Monarquia, a esquerda, ou melhor, uma parte dela (dado que o incómodo e silêncio de muitos deputados socialistas era evidente), sentiu a sua República em perigo. Perigo imaginário e conveniente, porque mobilizador e propiciador de camaradagem de princípios há muito esquecidos ou tornados obsoletos pelo nosso tempo. Os monárquicos decerto rejubilaram com o inegável sucesso obtido e tiveram uma certeza que já é segura, de capitalizar uma expressão muito mais lata do que se possa à primeira vista imaginar.
No "Destak" de hoje , dia 7, João César das Neves reconhece-o claramente, porque diz que os monárquicos "centraram com realismo e elevação, a sua atenção nas qualidades pessoais de D. Carlos I". Tendo evitado cuidadosamente provocações ao regime, sabiam que a ala mais intransigente e irracional do republicanismo clubista, faria eclodir uma reacção "...abespinhada e truculenta"... Na verdade, cremos que caíram na armadilha e reacenderam a questão adormecida. É que as contradições entre princípios desde sempre proclamados como pertença exclusiva de um certo jacobinismo mal disfarçado, tornaram-se para todos evidentes. A pena de morte e a subversão da legalidade instituída e constitucional - Portugal não sofria um regime de qualquer tipo de absolutismo -, surgem como pontos de discórdia e os monárquicos, assumidos ou não, venceram em toda a linha. A sociedade percebeu a mensagem e os telejornais inadvertidamente ampliaram o debate, que chegou às conversas de café.
No "Meia Hora" de hoje, Luciano Amaral também escreve sobre "A nossa história" e lamenta a ..."falta de maturidade que revela em lidar com o passado e (...) o empobrecimento do horizonte histórico. Na verdade é que quando saímos daqui, parece que voltamos à guerra civil larvar do nosso século XX.
O leitor dos jornais gratuitos, talvez jamais se tivesse interessado em colocar questões de identidade ou de natureza do regime. Hoje parece não ser bem assim na área da política e ao avizinharem-se as comemorações do centenário da República, creio bem que a tentação de desforra será irresistível.
O programa divulgado já disso dá indícios e a actividade de algumas organizações satélites, irá reavivar ódios velhos, radicalismos anacrónicos e pueris manifestações de supremacia. A batalha ainda mal começou e já a perderam. É que numa época da crise que conduz ao medo do desconhecido, a âncora de um passado de uma sempre acreditada grandeza perdida, oferece um porto de chegada possível
Há quem disso não tem qualquer dúvida e decerto, saberá aproveitar a oportunidade que afinal, não era tão inesperada.
Um comentário:
"Os mais instruídos e conscientes das realidades, jamais tiveram dúvidas acerca da base demagógica e facilitista dos chamados "avançados", que num país ainda profundamente rural, propunham num ápice, através da "gestão honesta, economias e seriedade dos homens", regenerar Portugal, transformando-o numa outra Suíça."
De facto, tal como a questão do rotativismo entre os partidos od centrão, também isto não está muito longe da realidade actual da nossa sociedade, onde a demagogia consegue convencer a maioria, infelizmente...
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