sábado, 9 de fevereiro de 2008

USA, Lajes, África e chineses

A Administração norte-americana, volta hoje a olhar para os Açores, como um ponto de apoio essencial à prossecução da sua política externa. De facto, se durante a Guerra Fria, serviu a estratégia da contenção do Pacto de Varsóvia na Europa, o arquipélago foi também fundamental para a manutenção do status quo no Médio Oriente, onde o aliado israelita sempre contou com o rápido fornecimento de material bélico em períodos de conflito militar.

O desaparecimento do Pacto de Varsóvia e o recuo da Rússia para as fronteiras existentes antes de Catarina II, não levaram ao encerramento da base das Lajes, por parte do governo dos EUA. Pelo contrário, a reformulação do seu papel na garantia do estatuto de single superpower, tornou-a imprescindível e isto, num momento em que a antiga tecnologia deixara de ser o argumento essencial para a sua manutenção. A USAF possui equipamento capaz de atravessar o Atlântico sem escalas, mas a posse dos Açores diminui custos, facilita a gestão de recursos e torna possível a rapidez numa hipotética intervenção.

A participação nos conflitos dos Balcãs durante a maior parte da década de 90 e a alteração do mapa geoestratégico na zona do Golfo, sublinharam ainda mais, a importância dos Açores.

A instabilidade política e militar decorrente da invasão do Iraque e a ameaça de diminuição progressiva mas inelutável das reservas petrolíferas naquela parte do mundo, obrigou as grandes companhias energéticas e a administração americana, a interessar-se pelos emergentes centros de produção e a África tornou-se num peão vital.

Ainda numa fase de consolidação das novas realidades que são os Estados africanos - criados a régua e esquadro pelos poderes coloniais -, o continente foi o palco privilegiado do conflito este-oeste, onde as possessões portuguesas desempenharam um papel importantíssimo. Já em 1961, era claro o apoio da administração Kennedy aos bandos da UPA que desencadearam uma tremenda vaga terrorista no norte de Angola, à revelia de qualquer tratado de aliança existente em termos bilaterais ou no quadro da OTAN.

No entanto, a ameaça de depredação do secular património português, já vinha de algumas décadas, porque Roosevelt - e os seus serviços de informação -, manifestando um total desconhecimento da realidade política em Lisboa, chegou a propor a Salazar, a alienação do então Império Colonial, em troca de substancial apoio económico. Macau seria entregue à China de Chang Kai-chek, e Timor não regressaria à soberania nacional após a derrota do Japão Existia também, um vago plano de colocação de todas as colónias europeias, sob mandato da novel ONU.

A derrota dos movimentos subsidiados pelos EUA (UPA/FNLA) em Angola e a tomada do poder em todo o antigo Ultramar, por governos de inspiração soviética, adiaram sine die a política de expansão do domínio político-económico sobre o continente negro. Mantendo a hegemonia em alguns Estados, como o Zaire de Mobutu, os americanos limitaram-se a conter aquilo que parecia inevitável, ou seja, o total domínio da África pelos soviéticos.

Os acontecimentos de 1989-91, alteraram todo o quadro e hoje, decorridos quase vinte anos, a potência emergente e concorrente é outra. Na verdade, os chineses são capazes de oferecer aos regimes africanos, a assistência necessária à satisfação das necessidades que garantam a sobrevivência das oligarquias dominantes. No plano comercial, as vantagens são evidentes, desde a inundação dos mercados com produtos de preço muito acessível, até à abertura de linhas de crédito que inevitavelmente criam novas dependências. No campo das infraestruturas, a China tem capacidade para um vasto plano de reconstrução daquelas que foram danificadas por longas décadas de guerras civis, e mais importante, da criação de outras, mais modernas e eficientes, que sirvam os interesses de ambas as partes na dinamização dos centros de extracção de matérias primas e sua distribuição para exportação. Creio ser este o ponto essencial do interesse chinês.

Durante a fase final da Guerra de África de 1961-74, surgiram em Lourenço Marques e junto dos meios militares e gabinetes da administração, rumores com uma certa consistência, que indiciavam a preparação de um acordo secreto sino-indiano que visava a partilha de zonas de influência na África oriental. Isto parecia ter algum fundamento, dada a penetração chinesa na Tanzânia e Zâmbia e o claro apoio com dinheiro, armas e técnicos militares, aos terroristas da Frelimo, que estabelecendo as suas bases exactamente naqueles países vizinhos, desencadeavam as operações no norte de Moçambique. Não é hoje possível termos certezas acerca dessa nova partilha do continente, mas surge apenas, como nota de curiosidade, no momento em que a China desesperadamente precisa do fornecimento constante e seguro das matérias primas, que possibilitem a manutenção do seu surpreendente crescimento económico.

Os EUA, com aparentemente irresolúveis conflitos no Médio Oriente e com a ameaça de sérias perturbações políticas - e económicas - na zona do Caribe, procuram garantir uma posição de importância cimeira e assim, a atenção a países como Angola, o Congo e S. Tomé (este último, uma promessa ainda por revelar no que respeita à produção petrolífera), insere-se já numa estratégia de contenção dos chineses. Desta forma, a eleição de Obama nas eleições presidenciais, poderá ser um importante trunfo da Administração - aquela que verdadeiramente nunca muda e é perene -, das Corporations e, porque não, do essencial papel dos media na afirmação e enraizamento da mensagem a levar aos africanos.

No que respeita a Portugal, e conhecendo todos as limitações que decorrem do nosso diminuto peso económico e militar, interessa toda esta questão. É que, a par de uma necessária e urgente renegociação do estatuto da Lajes - e porque não dizê-lo?, de uma mais justa partilha dos benefícios decorrentes da sua utilização - , África interessa-nos e muito. Continua a ser um bom mercado de exportação e em crescimento. A afirmação da lusofonia, aliás consolidada com as independências, terá que ter em reflexo, outras contrapartidas. A cooperação militar - desejada pelos africanos, como parece ser -, pode ir acompanhada por uma ofensiva de âmbito cultural, onde a permuta de estudantes, a recuperação do património e o envio de professores, é vital. Timor é um exemplo na afirmação da portugalidade de uma nova nação.

É que uma política externa, já antiga de sete séculos, não pode ser posta em causa ou dúvida. A posição de um Portugal independente, pressupõe, como sempre aconteceu, a aliança com a potência marítima. Já há mais de cem anos, D. Carlos dizia a Hintze Ribeiro ..."não perca nunca o governo de vista, que podemos estar mal com todo o mundo, menos com o Brasil e a Inglaterra"...

Nada mudou: ao Brasil acrescentaram-se mais seis Estados e a nova Inglaterra são os EUA.

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