A farsa das eleições no Zimbabué parece ter saído muito cara ao regime de Mugabe. Desta vez nem a coacção moral ou física surtiram efeito e o eleitorado, mesmo temendo pelas consequências da sua decisão, decidiu terminar com o ciclo de violência e escabrosa incompetência que caracteriza o actual regime. Legitimado pelas primeiras eleições após a independência, Mugabe assenhorou-se do país como se este fosse propriedade exclusiva. Modificou a Constituição, rasgou os acordos celebrados com o Reino Unido e na clássica fuga em frente de um exacerbado populismo, aniquilou a presença "colonial" branca no território, com o pretexto da distribuição equitativa de terras roubadas. Assistimos há anos a deploráveis cenas de violência, onde a depredação de bens é acompanhada pela mais infame carnificina diante dos operadores de televisão, num ajuste de contas que tem como único fim a manutenção do ditador no poder. Não é novidade porque os portugueses testemunharam há três décadas, cenas em tudo semelhantes que a coberto dos "ventos da história", devastaram países outrora prósperos e com um futuro promissor, relegando-os à condição de meras caricaturas de Estados onde, se o tribalismo não é assumido como tal, conseguiu transfigurar--se no chamado Partido.
Em 1974-75, Samora Machel fez sorridentemente, exactamente aquilo que Mugabe hoje nos apresenta de face carrancuda. Não nos podemos esquecer dos morticínios e purgas mesmo durante o período de transição e sob soberania portuguesa, quando elementos exteriores à Frelimo - Joana Simeão e Urias Simango, entre milhares de outros -, foram massacrados sem qualquer simulacro de legalidade. O poder total e tentacular, os ódios antigos e a escandalosa incompetência dos novos senhores, condenaram Moçambique a descer à categoria de um dos países mais miseráveis do mundo, onde a guerra civil lavrou durante décadas. Desembaraçando-se da presença branca colonizadora, o país caiu no caos, sem serviços públicos, sem professores e escolas, com infraestruturas abandonadas, desastres agravados ainda pela voracidade dos novos amigos internacionalistas - alemães, búlgaros, russos ou cubanos - que exploraram até à exaustão os recursos do moçambicanos. Como se tornou evidente, alguns dos nossos actuais parceiros da U.E., os dinamarqueses, holandeses e suecos, obtiveram o precioso quinhão nos despojos, recebendo a recompensa por tudo tem feito para expulsar a presença portuguesa.
Tudo isto era previsível, porque a Tanzânia do iluminado Nyerere já há anos trilhara o caminho do denominado socialismo africano, mero sofisma que escondia a inépcia e o despotismo mais descarado e sangrento. Samora Machel era um rancoroso e um incapaz. Era e não vale a pena negá-lo porque até os seus próximos hoje o reconhecem. O seu regime mergulhou os moçambicanos na penúria mais extrema, onde cidades inteiras e os hospitais não possuiam água corrente e electricidade, as pontes tombavam por falta de manutenção, os grandes hotéis se tornaram viveiros de ratos ou pocilgas. Um povo abandonado sem serviços de saúde mínimos, devastado pela fome e pela guerra civil, sem escolas e escravizado por desdenhosos senhores eslavos ou nórdicos que habilmente o saquearam até à exaustão. É esta a verdade. Contudo, o regime de Samora teve cúmplices nos tutores do leste europeu ansiosos pela conquista de mais uma peça no "dominó imperialista" e mesmo em Portugal, sabemos bem que os piores colaboradores são facilmente identificáveis, vivendo alguns bem perto de todos nós. De nada se arrependeram e ufanamente dizem que tudo repetiriam, confiantes no hegemónico, contingente e convencionado princípio do politicamente correcto. O regime estabelecido na ex-Lourenço Marques teve a seu favor a impunidade consequente da ausência de informação durante o período de máximo expansionismo soviético no mundo e das claríssimas cumplicidades compradas em Lisboa, onde turvas negociatas e camaradagens nascidas de lutas de outrora, silenciaram a verdade dos factos. Mugabe não é diferente de Samora, nem sequer de Agostinho Neto, Nyerere, Mobutu, Bokassa, Touré ou Idi Amin, para citar apenas alguns magnicidas do nosso tempo. O zimbabueano tem hoje contra si o simples factor informação que quase tudo revela e pouco deixa encoberto. Mugabe será dentro de pouco tempo, uma triste recordação num continente que merece melhores dias.
É que nem todos beneficiaram da sorte de ter como Chefe de Estado, um Mandela ou um Senghor. Infelizmente.
8 comentários:
Caro Nuno
Há um erro no seu raciocínio.
Há uma coisa que, pelo menos, Samora, Neto, Nyerere não se pareciam com Bokassa. Não consta que comessem criancinhas.
Pois, esqueci-me desse detalhe. Prefriam matá-las à fome ou incorporá-las nos exércitos de "libertação".
Certíssimo!...
Queria dizer, preferiam e não prefriam. Tenho que passar a corrigir os textos!
Implacável e incómodo mas acertivo. A Mandela e Senghor apenas acrescentaria Jomo Kenyatta.
Um texto admirável!
OPORTUNÍSSIMO TEXTO NESTA MARÉ DE VISITAS PRESIDENCIAIS DE FAZ-DE-CONTA...
E o tal Cavaco e a sua imbecil mulher que passam a vida a lamber as botas daqueles tipos?
Postar um comentário