Escutadas as notícias no telejornal da RTP-2 às 10 da noite, fui acometido de uma fúria súbita. A diseuse de serviço abriu o noticiário com a eterna lengalenga da alta dos preços do combustível, onde o despudor das petrolíferas encontra forte apoio - mesmo que tácito - nos perturbantes silêncios governamentais. Prosseguindo o rol de pequenas misérias, passei a saber do futuro e brutal aumento dos bens alimentares, num mundo onde mais cem milhões de seres humanos entrarão no auspicioso clube dos famélicos. O arroz, o trigo, a soja, o milho ou a colza, todos servem para mitigar ainda que de forma ténue, os bestiais apetites das indústrias energéticas. O facto de o sector alimentar se encontrar ligado de forma ostensiva e escabrosamente íntima a certos grandes interesses da área da banca, das farmacêuticas e do investimento, conduz ao imediato e simplista raciocínio da conspiração velada. Não sei nem me interessa saber a verdade desta hipótese, mas a despreocupação, a imbecil e alvar naturalidade com que estas desgraças são oralmente defecadas, fazem transbordar o copo mais fundo.
Já tinha decidido que nas próximas eleições gerais, não ir votar na nossa direita. Para dizer a verdade, jamais votei PSD - velhas contas relativas à descolonização - e assim, oscilei sempre entre o PPM - hoje liquidado pelo buraco negro em que se transformou -, o CDS, o MPT e confesso, nas últimas municipais, no MRPP. Esta última participação eleitoral nada teve que ver com opções ideológicas - nunca fui nem poderei ser comunista -, mas tão só devido á personalidade de Garcia Pereira, meu antigo e excelente professor de Direito do Trabalho na FDL. A sua honestidade, competência e a recordação da forma cativante e próxima como tratava todos os alunos, pesaram naquela aparentemente despropositada decisão. Não me arrependo e até poderei repetir a ousadia.
Estamos todos a ficar fartos da Situação, tal como ela hoje se apresenta. Quando ouvi o discurso da dona Manuela Ferreira Leite, concluí que finalmente alguns responsáveis do regime reconhecem o facto do descrédito total a que os partidos e seus titulares chegaram. Continuo a acreditar que a chamada democracia burguesa é o sistema constitucional que melhores garantias de progresso e justiça propicia à comunidade. Nada me demove desta crença infantil. No entanto, esta actualidade de tugúrio de escroques, de gentalha impiedosa, medíocre e de baixo calibre, enoja qualquer um e sinto-me tentado a considerar que aquilo que vivemos - a Europa inteira, excluindo dois ou três casos -, é uma simples e grotesca macaqueação da Democracia que oficialmente é letra de lei. Basta.
Se os grandes interesses económicos pretendem continuar a medrar e a lucrar com o sistema que gostosamente aceitamos como ideal, deve encontrar soluções. Deve prescindir da autêntica usura a que submete os contribuintes-consumidores. Deve moderar o exibicionismo dos alardeados lucros escandalosamente feitos à custa de milhões esmagados pela coacção imposta pela simples necessidade de sobreviver. Os detentores dos órgãos de Soberania, devem dar o exemplo, cortando radicalmente nos gastos que são visíveis e perfeitamente elimináveis.
Eles que se ponham de acordo, do BE e PC, ao PS, PSD ou CDS. O tempo urge e neste corpo esquálido da Pátria, encontrem um derradeiro fôlego de vida que nos leve a um futuro melhor e mais digno daquilo que fomos e poderemos vir a ser.
A alternativa é muito simples: insurreições generalizadas, invasão e destruição da propriedade, terrorismo urbano e finalmente, uma segunda oportunidade ao fascismo. Estão preparados?
7 comentários:
Subscrevo todo o seu post,Nuno, até no que se refere ao bom carácter de Garcia Pereira, de quem também fui aluna.
Antes, não se podia saborear uns quatro anos de PCP no poder, para acabar de vez com a situação? É que eles falam, falam, mas o meu mais profundo desejo é que cheguem ao poder pela via eleitoral, para ver se passam do falar ao papaguear. Depois, logo a seguir, podiam ser implementadas as alternativas que apresenta.
Ao Prosasvadias: eles já estiveram dois anos no poder e foi o que se viu...
Para a Cristina: dessa não sabia eu, Cris! Beijão.
Há notoriamente um défice de regulação no sector dos combustíveis. Liberalismo sim,especulação desenfreada não.
As seis petrolíferas que operam em Portugal já foram várias vezes acusadas de cartelização,e parece-me que continuam pelo mesmo caminho.
Preços dos combustíveis: ver a percentagem em impostos, e comparar com, por exemplo, a situação nos EUA.
Preços dos cereais: 1) Meditar sobre o que se tem passado nas últimas décadas, com a vergonhosa subsidiação da agricultura por parte dos Estados europeus, distorcendo dessa forma o mercado, e criando preços artificiais (para além de mergulhar na miséria muitos produtores do terceiro-mundo); 2) Olhar para os apoios estatais à produção de biocombustíveis, e para a sua consequência: aumento da procura, e derradeiro impulso num acréscimo de preços há muito esperado (devido ao aumento de consumo nas economias asiáticas, e ao ponto 1).
Vamos culpar os interesses financeiros, ou a falta de regulação, como refere o comentador anterior (ou, já agora, o mercado, como ainda muita gente por aí a gritar)?, ou vamos ser sérios, e apontar para a verdadeira fonte dos problemas: excessivo peso do Estado, Estado-providência, sobre-regulação, causas progressistas, eco-religião. Em vez dos lucros privados, a mim, preocupa-me o défice público. Em lugar da ostentação privada, indigna-me os absurdos gastos da máquino do Estado.
Para o Luís Barata: é evidente a subrepticia cartelização do sector, com o beneplácito da governação. O sistema de vasos comunicantes funciona na perfeição.
Para o CMF:
1ª O seu blog é lindíssimo e a minha irmã já me tinha avisado para o facto.
2ª Tem razão e no meu post alerto para isso mesmo. O Estado deve ser o primeiro a dar o exemplo, liquidando as escandalosas frotas automóveis - que os senhores gestores compram ao fim de dois ou três anos por uma bagatela -, contas astronómicas de telemóveis, participação dolosa e em conflito de interesses nos negócios privados com entidades públicas, etc. para não falar dos simbólicos mas escabrosos 16 mlhões anuais para Belém, sem contar com os 3 ex-P.R. Comparemos com espanha e desta forma, o contraste é aberrante.
Nunca tive inveja - das centenas de defeitos que pesam sobre a minha pessoa, deste escapei eu - dos milionários. O que me parece absolutamente estapafúrdio, é o alardear de lucros bancários (à custa de todo o tipo de truques das entidades para sacar os depositantes), os malabarismos especulativos que arruinam as pequenas poupanças. É simplesmente imoral e há que ter consciência da situação geral em que vivemos.
Resumindo e concluindo: «a política derrotou Portugal», frase proferida por António Champalimaud, em 1985.
Postar um comentário