Desde o já longínquo dia do parto, algures em 1974, o PPD/PSD tem-nos habituado às constantes questiúnculas internas anunciadoras de irreversíveis processos de morte lenta. Nada de mais errado, pois o súbito surgimento do nada de um chefe severo e unificador de feudos que se odeiam e combatem sem quartel, apazigua tensões e prepara o regresso à área do poder. Os partidos do rotativismo não podem dispensar o seu exercício, nem deixar de almejar a partilha de cargos ou sinecuras propiciadas pela incumbência de mandar, que periodicamente lhes é confiada pelos eleitores.
O sistema partidário português, criado em torno de mesas onde os ágapes entre amigos tiveram como tema a sua organização, criaram centros onde confluíram interesses diversos, ao mesmo tempo que a consistência ideológica ou programática foi deixada ao acaso das circunstâncias do momento. O PSD, nasceu da chamada "ala liberal" do Estado Novo e o PS foi o ponto de encontro do marcelismo com os sobreviventes - e seus herdeiros familiares - do "reviralho" expulso do poder em 1926. O PREC e a pericolosidade do momento político pós-25 de Abril, em que a Direita surgia como excrescência de um novo regime em corte absoluto com o passado recente, impeliu aquela "ala liberal" a abraçar a quimera social-democrata. Esta área política, próxima dos partidos trabalhistas da Europa Central e do Norte, já era internacionalmente reconhecida como pertença do PS e assim, a contradição permanente em que o antigo PPD viveu desde o seu surgimento como partido de alternância no poder, ocasionou uma indefinição no espectro político nacional. Sabemos que é de Direita embora os seus dirigentes o neguem, mesmo estando filiados no Partido Popular Europeu, onde são companheiros da CDU alemã, dos Conservadores ingleses ou dos Populares espanhóis. Seria positiva a reivindicação de um espaço que urge preencher sem complexos, pois a democracia representativa assim o exige e o CDS não tem a expressão eleitoral que normalmente lhe pertenceria. Durante o PREC, chegou a reivindicar a condição de partido de Esquerda, provavelmente temendo a ameaça de cerco e forçada dissolução forçada pelos MFA's e companheiros do PC/MDP. Em suma, teve medo, colaborou na chamada descolonização e aceitou o assalto das nacionalizações sem qualquer oposição credível. no entanto, sobreviveu, eivado de complexos e protestando uma identidade, na qual ninguém acredita. Nem os próprios.
Em Espanha, o fim do franquismo pressupôs tal como no nosso país, um período de reformulação do quadro partidário até então confinado ao exílio e à criação das chamadas forças da Direita moderada, a UCD de Suárez e a AP de Fraga Iribarne. Não passando pelos percalços e vicissitudes da desordem económica - ocupações, nacionalização e ruína das empresas - e política - a descolonização -, a Espanha beneficiou inegavelmente da forma de regime corporizada pelos Bourbon, sem a qual seria inevitavelmente arrastada para os extremos e vários separatismos que ditariam o fim do país tal como hoje se apresenta nos mapas. As forças políticas seguiram curiosamente um modelo de organização bastante aproximado do português, mas a clarificação do espectro ficou completa, quando a UCD (o equivalente ao luso PPD) se dissolveu, abrindo o caminho ao assumidamente direitista Partido Popular que aglutinou as pequenas formações conservadoras e centristas, ao mesmo tempo que esvaziava eleitoralmente os herdeiros da Falange franquista. O resultado desta natural evolução e organização do quadro partidário, reflecte-se directamente na normal duração dos mandatos obtidos em cada acto eleitoral, oferecendo a essencial base de estabilidade política que pressupõe o progresso social e económico. Nada desdenhável será também o papel imparcial do monarca que não é suspeito de favorecimento de amigos de partido, pois a irresponsabilidade da Coroa é garantida pelo regime constitucional parlamentar. É esta uma das grandes ironias oferecida pela realidade dos dois Estados peninsulares. Um deles - Portugal - com fronteiras definidas há sete séculos e com uma poderosa homogeneidade étnica-linguística, não parece capaz de normalizar a sua sempre conturbada vida parlamentar, sucedendo-se governos, dissolvendo-se maiorias absolutas e assistindo a permanentes confrontos entre órgãos de soberania eleitos. O outro - a Espanha -, formado por vários conjuntos aspirantes ou reivindicadores da sua própria nacionalidade, consegue, apesar da multiplicidade de governos e partidos regionais, organizar maiorias que cumprem mandatos, inspiram confiança aos investidores externos e credibilizam aquilo que se entende como "alternativa". Parece assim, que o quadro político português se encontra impedido do seu normal funcionamento, devido à pouca escolha ou alternativa oferecida aos eleitores e à irritante interferência ou favoritismos de forças estranhas ao Parlamento.
As recentes eleições para a presidência do "maior partido da oposição", são afinal um mero episódio de definição de posições na agremiação, pois espelham aquilo que sempre ocorre durante períodos que perspectivam uma longa ausência do exercício do poder governamental. Se o PS se encontrasse hoje na oposição, muito provável seria o permanente conflito interno de tendências ou de personalidades, como ruidosamente se patenteou durante o governo de Durão Barroso. Hoje mesmo, o declínio que se verifica na popularidade do governo Sócrates, não deixará - como Manuel Alegre começa a fazer sentir - de ocasionar as primeiras movimentações internas e a recente chamada ao cerrar de fileiras, evidencia o reconhecimento do mau momento político, social e económico que o país vive e a necessidade de enfrentar as pressões oriundas do PC e BE, ansiosos pela conquista de alguns pontos percentuais nas próximas eleições gerais. Desenha-se um cenário de ingovernabilidade.
O país tem a plena consciência da improbabilidade de uma reedição do Bloco Central, pois isso significaria uma irreparável usura para ambos os partidos componentes do mesmo, garantindo apenas uma muito transitória situação de governabilidade de interesses próprios que são inconciliáveis.
Manuela Ferreira Leite, teve sobre os demais concorrentes à chefia do partido, algumas vantagens que foram decerto decisivas. Tem fama de austeridade - uma qualidade amplamente apreciada pelo eleitorado -, é discreta, bem relacionada com Belém e surge como o mal menor para a conturbada situação interna do partido. É decente. Sendo ainda muito prematuro vaticinar a composição do próximo parlamento, parece contudo garantida a ausência de qualquer maioria absoluta socialista, o que decerto ocasionará mais tarde ou mais cedo, a repetição do "efeito Sampaio", desastroso precedente inaugurado pela dissolução forçada de uma maioria em S. Bento.
Provisoriamente resolvida a longa crise interna que o PSD viveu desde a sua derrota de 2005, é quase certa a consolidação ou mesmo ampliação - mesmo que modesta - do número de eleitores em 2009. Será então a vez de do PS trilhar o seu caminho sobre cacos e não poderá contar com a complacência do "Chefe de Estado de todos os portugueses", pois este gostosamente será o primeiro, no momento azado, a chamar os seus. É o hibridismo do sistema, é a "república" em toda a sua irreparável contradição.
O que ganha o país com a manutenção de um modelo reconhecidamente falido? Pouco.
4 comentários:
Pouco? Nada, caro Nuno, nada.
Eu sei Mike, apenas não quero ferir susceptibilidades.
Bom texto. Também já escrevi sobre essa comparação entre a UCD e o PSD, realçando, obviamente, que o primeiro desapareceu quando já não tinha grande espaço e urgia clarificar as águas.
Tenho que fazer alguns comentários apesar de se calhar nao parecem ser um todo coerente...
Vamos ter noção de uma coisa, o CDS é um lobby economico e social do sector conservador. Não credibilidade fora desse sector porque nunca se deu ao trabalho de representar mais ninguém - basta ver como levaram a corrupção a um novo nivel quando estiveram algum tempo no governo, ainda estou à espera da investigação da área da saúde entre outras coisas.
Por muito que os empresários tenham sofrido durante a revolução mereceram-no. Durante décadas mantiveram o regime vivo porque lhes era conviente um sistema economico fechado e completamente nas mãos de meia duzia de senhores. Foram e são cumplices do regime. Já para não falar que a maioria foi indemenizada quando voltou la de fora apesar de ter deicados as empresas limpas depois da fuga em 74.
Ferreira Leite como líder é apenas a confirmação de um sistema estático em que os mesmos senhores que andam na politica ha mais de 30 anos voltam a ter visões de tachos. È um sinal de um partido decadente que arrasta o país na sua doença.
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