Porque também nutro uma especial admiração de teor académico pelo homem do século XX português, quero notar aquilo que escrevia em 1936/37 no ensaio "Como se reergue um Estado" (ed. Esfera do Caos). Se paralelismos podem ser traçados entre o sistema do rotativismo monárquico do século XIX e o que se revela hoje em dia, é também de notar a forma precisa como Salazar diagnostica algo que tem levado à decadência dos regimes políticos em Portugal, tão presente na I República como talvez na actual III. Tirem as ilações que quiserem:
A seriedade é, em primeiro lugar, a conformidade dos sentimentos com as ideias e a conformidade dos actos com os princípios. Tanto na vida pública como na vida privada, a falta de sinceridade desmoraliza e cansa: nenhum regime político que emprega a mentira como método de governação ou que se contenta com verdades convencionais pode ter crédito na alma popular.
Para nós, não há falsas acusações como arma política, nem factos para além daqueles que foram controlados, nem promessas que não sejam a antecipação de um desígnio amadurecido ou de um plano realizado com segurança.
Se somos contra os abusos, as injustiças, as irregularidades da administração, o favoritismo, a desordem, a imoralidade, é porque isso corresponde a uma ideia séria de governação e não a uma atitude política, à sombra da qual cometemos os mesmos abusos e as mesmas injustiças.
(...)
A gravidade da vida não implica necessariamente o luto da tristeza, o pessimismo, o desencorajamento; ela é, pelo contrário, muito compatível com a alegria do povo, as brincadeiras, a graça e o riso. Exige simplesmente que as coisas sérias sejam seriamente tratadas. Eis porque é que as pequenas conspirações de passeata, os planos dos revolucionários desempregados, os projectos que trarão felicidade e abundância apenas porque são publicados no Boletim Oficial, os gabinetes de amigos, as combinações de nepotismo, a distribuição de lugares e a criação do caos de onde sairão depois, espontaneamente, a ordem e a luz, deixam de lado as profundas realidades nacionais e não passam em geral de jogos infantis, de pequenas tragédias familiares, sob o olhar vigilante dos pais.
A seriedade é, em primeiro lugar, a conformidade dos sentimentos com as ideias e a conformidade dos actos com os princípios. Tanto na vida pública como na vida privada, a falta de sinceridade desmoraliza e cansa: nenhum regime político que emprega a mentira como método de governação ou que se contenta com verdades convencionais pode ter crédito na alma popular.
Para nós, não há falsas acusações como arma política, nem factos para além daqueles que foram controlados, nem promessas que não sejam a antecipação de um desígnio amadurecido ou de um plano realizado com segurança.
Se somos contra os abusos, as injustiças, as irregularidades da administração, o favoritismo, a desordem, a imoralidade, é porque isso corresponde a uma ideia séria de governação e não a uma atitude política, à sombra da qual cometemos os mesmos abusos e as mesmas injustiças.
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A gravidade da vida não implica necessariamente o luto da tristeza, o pessimismo, o desencorajamento; ela é, pelo contrário, muito compatível com a alegria do povo, as brincadeiras, a graça e o riso. Exige simplesmente que as coisas sérias sejam seriamente tratadas. Eis porque é que as pequenas conspirações de passeata, os planos dos revolucionários desempregados, os projectos que trarão felicidade e abundância apenas porque são publicados no Boletim Oficial, os gabinetes de amigos, as combinações de nepotismo, a distribuição de lugares e a criação do caos de onde sairão depois, espontaneamente, a ordem e a luz, deixam de lado as profundas realidades nacionais e não passam em geral de jogos infantis, de pequenas tragédias familiares, sob o olhar vigilante dos pais.
5 comentários:
Certas passagens do texto podiam ter sido aplicadas durante o Estado Novo. Em Moçambique, por exemplo, vigorava o princípio de claro favoritismo dos nomeados pela Metrópole, em detrimento dos naturais da Província Ultramarina. Isso provocou muito mal estar e ressentimento.
Já para não falar nas trafulhices dentro dos carteis economicos e no exército colonial. Retórica e propaganda meu caro Samuel...
Nuno, creio que a vontade e o pensamento de um estadista nem sempre conseguem alcançar todo o aparelho estatal, ainda para mais um disperso em territórios distantes!
Pedro, retórica e propaganda talvez, mas uma retórica de política real que colocou o país de volta nos eixos! E sinceramente creio que Salazar acreditava realmente no que aqui escrevia, cumprindo escrupulosamente os seus princípios. Basta ler os seus artigos ou apontamentos de quando ainda era um jovem estudante e mais tarde professor para o perceber. E o que é facto é que sempre deu o exemplo do que defendia e morreu sem um tostão, ao contrário da esmagadora maioria dos caciqueiros, distribuidores de lugares e afins que pululam que nem umas alcoviteiras na política portuguesa...
Permita-me discordar, mas ... colocou o país nos eixos?!!! É uma piada de mau gosto? Só pode!
Quanto ao acreditar escrupulosamente nos seus princípios, isso não fará de Salazar uma melhor pessoa ou um melhor estadista! Aliás, a história está cheia de gente culpada de sangue que acreditava e achava que as suas ideias eram justas e correctas! Quanto à sua morte é verdade, foi humilde e pequena, fazendo juz à sua própria pessoa! Mas houve gente do regime quem morresse rico, os tais caciqueiros que também existiam no regime!
Apesar dos caciqueiros da política portuguesa actual, o país já não é, de todo, o mesmo país que era há mais de trinta anos. Basta comparar e ver, é mesmo uma questão de bom senso!
Caro Carlos Veiga
Está no seu perfeito direito de discordar, mas já agora gostaria que me explicasse porque é que seria uma piada de mau gosto o facto de que Salazar colocou o país nos eixos. É um facto porque empiricamente verificável carecendo de explicação teórica, simplesmente demonstrável pela bancarrota, défice, enorme dívida externa, emissão de títulos e moeda sem nexo, taxas de juro elevadíssimas, em suma, finanças públicas desastrosas, que a I República fez questão de deixar e que coube a Salazar sanear, acabando por deixar um Estado financeiramente saudável, e dando visibilidade a um pequeno país através da política externa potenciadora do poder de um pequeno estado (a este respeito ver "Do Poder do Pequeno Estado", tese de doutoramento de Políbio Valente de Almeida), por exemplo, integrando-nos na NATO, na ONU, na EFTA e não permitindo a ingerência nos assuntos internos portugueses (o caso mais exemplificativo de tal é a argumentação portuguesa na ONU quanto à questão colonial, em que a nossa diplomacia conseguiu incrível e habilmente conseguiu colocar o Brasil do nosso lado).
A História não é de todo senso comum ou bom senso e não pode ser correctamente analisada se não nos soubermos desprover de preconceitos e dar-lhe interpretações contextualizadas na conjuntura de cada época! Comece em Pombal e venha por aí fora, vai ver que o país é o mesmo desde 1820! A nossa História é desmesuradamente maior que o nosso presente, sendo a perda do Brasil a pedra de toque do início da nossa decadência. De lá para cá, após as guerras entre absolutistas e liberais, concertaram-se facções em rotativismos e alternâncias partidárias, que acabariam por desembocar na fractura entre dois "Portugais", o Portugal conservador e católico e o Portugal mais liberal e laico, que nunca mais se voltaram a reconciliar. A I República é a conquista do segundo, o Estado Novo é a conquista do primeiro. O que vivemos agora é novamente uma espécie de rotativismo a caminho da decadência, tal como no século XIX, e já agora, vai ver também como desde o século XIX a crise económica e o défice orçamental são das maiores constantes em Portugal - apenas saneadas durante os anos do Estado Novo.
Eu não critico a riqueza ou os que morrem ricos, até porque uma nação precisa sempre de ricos, senão os pobres não têm para onde olhar, para onde orientar a sua vida ou o que almejar. Apenas critico o enriquecimento indevido, e sendo apenas uma intuição, palpita-me que hoje há por aí bem mais gente a enriquecer indevidamente do que durante o Estado Novo...
Quanto à morte humilde de Salazar, foi humilde fazendo juz à sua pessoa, de facto, já quanto à pequenez, permita-me a mim discordar, mas não voltámos a ter um estadista ao nível de Salazar. E tanto mais que em termos de pequenez, dificilmente outras característica será tão certeira quanto ao perfil do povo português que só tem os governantes que merece, bem à sua imagem...
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