Eis um retrato do Portugal profundo: todos têm direitos inesgotáveis, sem deveres alguns. Nem ao menos o de aproveitarem as oportunidades que lhes caiem do céu. Menezes, como está na oposição, chama a isto “empreendedorismo”. Eu chamo-lhe a atitude de estar sentado no café à espera do subsídio e a dizer mal de tudo.» Miguel Sousa Tavares, no Expresso
Os últimos meses têm sido pródigos em públicos testemunhos recriminatórios em relação à situação em que o país se encontra. Generais, empresários e antigos governantes - desde p.r's a ministros - manifestam-se contra o actual estado de coisas, sem que consigamos discernir a causa de tantos males. É hábito da classe política o alijar de responsabilidades, o criticar de atitudes de outrem e uma recorrente auto-desculpabilização. Desde os debates parlamentares aos chamados artigos de opinião nos jornais, a enxurrada viscosa de corrupções, incompetências, latrocínios, favoritismos indevidos e ilegalidades, são apontadas à generalidade dos detentores de cargos do Estado, sem que qualquer consequência punitiva, ou sejamos condescendentes, regeneradora, pareça advir no sentido de uma maior transparência daquilo a que normalmente se denomina de coisa pública. O sistema está a ferro e fogo e paradoxalmente, os seus inimigos são os seus próprios usufrutuários, aqueles que numa situação de perfeita normalidade seriam os mais estrénues defensores do mesmo.
O texto de M.S.T. é mais um apontar do dedo inquisidor à generalidade dos cidadãos e tem como pretexto final, as declarações do actual presidente do PSD. Compreendemos a revolta até porque quem não beneficia de lugares cativos no aparelho, é o principal e involuntário financiador de uma situação insustentável.
Ao fim de três décadas do regime saído da Constituição de 76, verifica-se a fragilidade do mesmo, quando a simples longevidade, renovação da classe política e progresso económico ditado pela recuperação após o ingresso na UE, pressupunham a sua consolidação e normalização como acontece em Espanha, para citar apenas o vizinho mais próximo.
Hoje alguns denunciam a sede de direitos e a recusa de deveres por parte de quem não detém o poder e serve de agente passivo - isto é, de simples contribuinte -, querendo decerto acusar um povo desinteressado, ignorante, gastador e inepto. Decorreram trinta anos e quem chega agora aos degraus do poder foi educado e preparado por quem dele se assenhorou em 74. O chamado povo é criatura saída do laboratório da Situação.
Organizaram o aparelho do Estado, formaram partidos, destruíram a velha escola e impuseram uma maneira de viver em sociedade que passou a confundir-se com aquilo a que se convencionou apodar de "democracia". De facto, o sistema funciona nos seus aspectos formais e não assistimos a períodos de grave tensão ou violência política nas ruas. Mas isto não é suficiente, porque sabemos que a democracia deverá ser muito mais que a simples obediência e conformidade para com a Lei emanada pela vontade dos cidadãos da res publica. Nas democracias consolidadas os povos participam normalmente na vida política, frequentam ou criam clubes - que não apenas os de futebol -, organizam demonstrações de índole cultural identificativa das gentes, resolvem problemas locais. É a verdadeira participação a que se dá o nome de civismo. Em Portugal verifica-se exactamente o oposto e de uma forma verdadeiramente bizarra, a população foi artificiosamente convencida a tudo esperar de uma etérea entidade designada como "O Estado". Um simples buraco na rua carece do atento olho do responsável autárquico. Um paralelepípedo saído do seu devido lugar na calçada de Lisboa, permanecerá na sarjeta sem que alguém se digne a com um simples gesto, recolocá-lo de onde saíra. Automóveis abandonados apodrecem durante anos nas ruas, sem que os moradores tomem qualquer iniciativa para a sua conveniente remoção e nem a EMEL, empresa interessada na rentabilização de espaços de estacionamento, providencia remédio para estas situações. Poderíamos continuar indefinidamente, tais são os casos a exemplificar. Estamos todos à espera de alguém, ou melhor de algo. De quem ou do quê, não se sabe. "Eles" deverão encontrar as respostas para tudo, por mais ínfimos que sejam os problemas. Quem são "eles" e quem criou e fomentou este estado de coisas?
Sabemos qual é a resposta e é com estupefacção que deparamos hoje com o sórdido espectáculo de autocomiseração daqueles que publicamente dão a entender ter vergonha de pertencer a tal nação. Nação que foram os próprios a conformar - as duas últimas gerações são obra sua - e que agora nos obrigam a identificá-los com as ratazanas que abandonam o navio em perigo de fatalmente ser destruído por uma tempestade em pleno cais.
Se o texto de MST parece curial e na linha do esperado bom senso de um comentador político com credibilidade para assim ser considerado, peca por insuficiência. Esta debilidade reside apenas na fatal e já esperada acusação ao anónimo, isto é, a todos. Os "outros" que somos nós e que jamais fomos informados e chamados a participar em qualquer debate que interesse ao futuro deste país. Recordo-me sempre da infeliz frase de Cavaco Silva, quando admoestado acerca da possibilidade de um referendo ao tratado de Maastricht, seráficamente respondia que ..."o povo português não está informado para decidir acerca de um assunto destes" . Grosso modo, foram as suas palavras. Quando a uma atrocidade deste jaez se soma o ..."desapareça da minha vista, ó senhor guarda"... berrado por Mário Soares num desvairado momento populista, podemos finalmente ser nós, o rebotalho, a apontar o dedo. Quem tem a culpa? "Eles"!
2 comentários:
Excelente.
Até me ocorreu formar aqui uma "banda" nesta pequena praia, mobilizar uma dezena de acólitos radiantes com a ideia e ficarmos todos sentados à espera do subsídio do governo para comprar as trompas e as caixas-de-rufo, ou que a crise passe. A tocar fagote.
Quanto ao "apontar o dedo", não posso estar mais de acordo.
JB.
ahahahah, ratazanas a abnadonar o barco, é isso mesmo.
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