terça-feira, 22 de abril de 2008

A crise do PSD e a parcialidade sacerdotal do P.R.


Os recentes acontecimentos no maior partido da oposição, o PSD, parecem confirmar a progressiva decadência do sistema partidário consolidado no regime da Constituição de 1976. Para a reconhecidamente apática opinião pública nacional, o partido é matéria putreciente após um longo declínio iniciado exactamente em 1995, quando o seu chefe de momento e actual presidente da república, decidiu retirar-se do lugar que com total soberania ocupara durante uma década. O PPD ou o PSD - concedamos "generosamente" a oportunidade de situação aos seus militantes -, sempre foi palco de raivenças mais ou menos resolvidas quando do seu cíclico e previsível regresso à condução da nau do Estado. A situação que hoje se vive poderia apenas confirmar a tradição do baronatismo que nele sempre imperou, mas que no momento de sagração de um chefe por todos aceitável, conduziu à união de velhos e de novos militantes, abrindo as mais luzidas esperanças de ascensão a muitos e à conquista de um fugaz mas apetecido El Dorado na gigantesca máquina governamental.  Estamos agora perante uma situação bem diversa, porque às habituais picardias, sucederam-se safarrascadas sem quartel, onde os presidentes do partido foram imolados pelos Brutus de ocasião, tornando-se a agremiação "liberal", num sangradouro onde se torna missão arriscada o simples alvitre de um nome capaz de unificar todos os desavindos. O PSD sempre viveu do poder e foi desde o início do regime quem por  mais tempo dele se assenhorou, em governos mono-partidários ou em coligações à sua direita ou à sua esquerda. A sua missão foi apercebida pelo eleitorado como sendo a das sempre ansiadas e necessárias reformas, sem que o cidadão comum tenha jamais lobrigado o verdadeiro alcance do termo. Situacionistas por natureza, somos tentados a evitar confrontos  que descortinem um futuro incerto, mesmo que aparentemente as parcas o anunciem como promissor, daí o cuidado que todos os chefes dos dois partidos rotativos têm, em evitar a frequência de oráculos comprometedores que coloquem em risco futuros resultados eleitorais. O PSD falhou na missão reformista, quando há seis anos tudo tinha conquistado para se legitimar nesta tarefa: esmagou o PS nas autárquicas e atraiu o arredio CDS ao redil da coligação, subordinando-o aos seus desígnios. Falhou porque temeu as manchetes dos diários e as notícias de abertura dos telejornais. Falhou porque notórios militantes  foram os primeiros a marcar terreno no jogo de influências  que devendo ser simples manifestações de opinião interna, trouxeram à ribalta todas as quezílias e ódios acumulados, fazendo-se o ajuste de contas diante dos esbugalhados olhos dos eleitores de sempre. O sepuku parece não ter fim e nem a ameaça de irreversível residualização, parece demover os chamados grandes nomes do partido. Entre todos estes, figura o actual Chefe do Estado, entidade etéreamente tutelar e derradeiro - e hoje impossível - farol orientador da união da desavinda e dispersa frota laranja. O prof. Cavaco Silva sabe e tem a perfeita consciência que a manutenção do regime de 76 pressupõe um sólido e tacitamente aceite rotativismo. O rumo dado às políticas económicas ocidentais nos últimos dez anos e a emergência de novos polos de poder financeiro e industrial no globo, impelem a corrida partidária às reformas, encaradas estas como a última  - e sempre indesejada - oportunidade a uma Europa envelhecida e prisioneira do seu modelo social que poucos - nem nós - querem ver seriamente adulterado.

 O PSD perdeu a oportunidade, porque o seu eterno rival social-democrata, o PS, apreendeu a urgência e o maná oferecido, exactamente numa altura em que ele próprio se fizera desacreditar após duas maiorias absolutas conquistadas num período de relativa abastança económica mundial. O PS agarrou essa oportunidade e aproveitou-a, fazendo exactamente aquilo que no seu íntimo, o eleitorado esperara do governo PSD-CDS

A posição do Chefe de Estado é por demais típica para poder ser contestada pelos participantes no jogo do poder constituído. É o verdadeiro árbitro da situação e aquela dissolução da A.R., obtida pela directa e muito visível intervenção dos poderes fácticos - a banca -, expôs a figura presidencial de uma forma julgada por muitos como inaceitável, embora pressentida e há décadas interiorizada pelos cidadãos. O caso PRD e a rivalidade Eanes/Soares, a guerra de baixa intensidade entre Soares presidente e Cavaco primeiro-ministro, o fácies iracundo ou gelado de Sampaio durante o mandato de Barroso ou a aberta acrimónia manifestada nos tempos de Santana, são sintomas da ineficácia decorrente da hibridez do sistema semi-presidencial português, acrescendo-se ainda a pulverização em poderes subsidiários dos Supremos, etc.

O que hoje se torna visível para quem se interesse minimamente pelos negócios públicos, é a centralidade da figura presidencial, na qual os portugueses desde sempre depositaram vãs esperanças na obtenção do tal estatuto europeu que há muito nos foi esbulhado pelos avatares da história. Hoje, o presidente Cavaco é o questor maximus  do seu Partido e disso ninguém tem qualquer dúvida. Apesar de todos os desmentidos, para a generalidade dos portugueses surge como um rabdomante à procura do necessário chefe que minimamente congregue hostes ontem entregues a um hedonismo regabofista e hoje caídas no desespero motivado pela acefalia por elas mesmo propiciada pelo constante trucidar de personalidades.

O presidente olha pelos seus e isto tão só por interesse próprio, já na expectativa de um reafretamento de contingentes susceptíveis de viabilizar o segundo mandato. Na esperança de encontrar um chefe partidário capaz de capitalizar o descontentamento motivado pelas inevitáveis reformas - não se discute aqui o alcance ou a bondade das mesmas -, o presidente tem por fim último e lógico, o empossamento dos seus no cargo da governação. É a quitação dos compromissos, o saldar de contas. 

Cremos ser esta, a realidade da situação da república portuguesa, onde o aparelho do Estado no seu todo, é mero circo de exibição de façanhas de aprazados chefes que garantem os conhecidos e circunscritos interesses privados. Um verdadeiro Chefe de Estado terá que ser muito mais que um mero peão no  xadrês da pequena política nacional. A recente visita à Madeira denunciou a fragilidade do sistema, quando as normais e unanimemente aceites praxes de cortesia foram sacrificadas ao capricho de um irreflectido momento. Um caso semelhante é impossível na vizinha Espanha ou na velha aliada Inglaterra. Impossível, porque impensável, dado o universal respeito que a figura do máximo representante do Estado merece. Em Portugal, a clara identificação dos presidentes com a transumância eleitoral, traz o prejuízo irreparável da Situação, entendida esta como o edifício Constitucional que dá forma ao regime. A Democracia pode e merece mais. 

A simplicidade dos ordenamentos constitucionais ingleses ou dinamarqueses, com a presidencialização do poder do primeiro-ministro, dissipa dúvidas, concentra democraticamente o poder, racionaliza gastos e credibiliza os regimes. O Chefe do Estado não pode ser o permanente e incómodo intruso esbanjador de dotações anuais, o nosso bem conhecido participante na faena que corrói o sistema, assumindo em derradeira instância, a ingrata e escandalosa função de sacrificador-mor deste ou daquele governo.

Quando há alguns meses o general Eanes se referiu à  Monarquia Constitucional como o único regime capaz de unir as populações num projecto de liberdades e de progresso, sabia do que estava a falar. Confirmou apenas o que sempre pensámos e dissemos. O tempo o dirá.


Um comentário:

cristina ribeiro disse...

Será que este país, afinal,terá um dia emenda? Temo que nos tenhamos enquistado...