O passado domingo foi um dos grandes dias da nossa História. A Selecção Nacional despediu-se do país que lavado em lágrimas e corações ao alto, saiu à rua, foi a loja chinesa mais próxima para comprar a bandeira e postou-se diante do Palácio de Belém e ao longo do trajecto para o aeroporto, vitoriando os já mais que garantidos campeões da Europa e arredores.
Tal como na Coreia do Norte a tv estatal passa sucintos programas de vinte e três horas diárias sob temas tão interessantes como o dia do nascimento do Querido Líder, ou as especificidades daquela portentosa rosa criada pelos cientistas pyonguianos - a famosa Kimilsunya -, a RTP, SIC e TVI decidiram unir esforços tal como novéis três mosqueteiros e brindaram-nos com uma inolvidável sessão que durou todo o dia. Jornalistas pivot, batedores com motas, seguranças, helicópteros, comentadores de futebolês em directo - entre os quais o genial prof. Marcello -, velhas glórias da Nação, ou seja, um tremendo esforço de demonstração da nossa pujança e de antecipada comemoração de estrondosa vitória. Foi maravilhoso.
Vimos de tudo, desde o senhor Francelino apanhador de caracóis, ao Zé Rasca que é dono daquela leitaria de 5º andar onde trabalham senhoras ali para os lados do Conde Redondo. Vieram famílias inteiras fardadas a rigor com as cores do Burkina Faso, pois há que solidarizarmos-nos com quem precisa. Lá estiveram as senhoras das rutilantes dentaduras da Caixa de Previdência, as modistas de saia-saco, os senhores de boné à taxista e a gente chique do jet 7 das Telheiras, com as filhas louraças de barriga à mostra e piercing-chuveiro no umbigo. Todos juntos, todos diferentes mas todos iguais, no apoio a quem merece, pois aquela vintena da rapazes sacrificam-se à grande pelo nosso bem estar e pela preservação da nossa identidade como povo orgulhoso dos seus.
O serviço da RTP primou pela excelência, pois conseguiu penetrar nos cantos mais recônditos do "palácio presidencial" e assim partilhámos gloriosos momentos com os heróis. De mão esquerda no bolso lá davam com a direita o passou-bem ao senhor Aníbal que não resistiu em chamar os netos para usufruírem de inolvidáveis momentos que decerto marcarão uma prometedora carreira ao serviço do Estado. Não conseguimos vislumbrar a fritadora de sonhos e este foi o único ponto negativo da festança. Em momentos de alegre descontracção vimos os nossos jogadores na risota e dando as costas ao anfitrião, enquanto alguns habilidosamente limpavam os dentes com a língua, eliminando resquícios de croquete embutidos nas fendas interdentais. Houve quem coçasse o rabo, tirasse cera das orelhas ou simulasse bufas com a boca, talvez em silencioso e expressivo comentário à gritaria que o povo lá fora vozeava num estrondoso vivório sem fim. Na verdade, é quase o clímax de uma agitada campanha eleitoral e muitas das caras são as mesmas, pois os partidos e os clubes estão no coração de todo o verdadeiro democrata de longa data.
Foi um inesquecível dia em que como por milagre sumiram - por um mês inteiro -, as preocupações decorrentes do aumento da gasolina, do fecho das maternidades ou da revisão em baixa do crescimento da economia. O Júdice do betão da frente ribeirinha de Lisboa, poderá finalmente trabalhar em paz. O António Costa pode pedir empréstimos à vontade, desde que coloque a varanda onde se "instaurou a república", à disposição dos inevitáveis campeões nacionais. Ninguém vai ligar uma figa ao traçado do imprescindível TGV, assim como às já iniciadas manobras para a construção do aeroporto. Outros negócios não deixarão de movimentar a economia, pois o Bairro Alto andará num frenesim de clientes para a branca, cavalo, pastilhas, bolota, pólen e super-bok, enquanto o Conde Redondo vai ficar numa fona às misses tatuadas e piercingadas a preceito. Vai ser um festival de Neuzas, Vanessas, Cátias, Solanges, Vanuzas, Vânias, Vandas, Soraias, Petras ou Marlenes, acompanhando os Fábios ou Énios, com uns Martim e Bernardos pelo meio, a armar ao pingarelho. Será uma farra das grandes e se começarmos logo por ganhar aos otomanos, então nada nos deterá, porque aos suíços até os comemos todos, com buracos no Emmental e tudo! Estamos tão europeus como os outros, porque em Espanha as Laras, Núrias, Nereidas, Lolas, Gemas, Sonsoles, Tamaras, Marisoles, os Quiques, Pepes, Paquitos e as Conchitas fizeram o mesmo. Na Itália as Ginas, os Ginos, Dinos, Tinos, Filibertos, Ugos, Enzos e as Sandras também encheram a Piazza Venezia.Tendo este ano ficado de fora as Kattys, Gemmas, Vickys, Toms, Ralphs, Dicks, Johnnys e Chelsys, temos pelo menos outros para nos divertir. Em França é a mesma alegre febre, com os Mathieus, Ahmeds, Céciles, Carlas e Rémis a preparar os cocktail molotov. Na Alemanha, as Elkes, Eitels, Fritz, Eikes, Elgas, Heikos, Kais, Uwes e Joergs já tiraram do armário os capacetes com cornos e as canecas de cerveja, enquanto lá mais para leste, Putin financia a maciça saída à rua de um infindável número de Tatjanas, Vushkas, Russlanas, Dimitras, Svetlanas, Sonjas, Kátjas e Xénias que invadirão a Áustria e a Suíça, num internacionalista e dialéctico arrecadar de moeda forte. Vai ser bom para todos e ainda por cima, estas bombas do leste parecem-se em muitos aspectos com as namoradas quinzenais dos nossos jogadores, nada lhes ficando a dever em classe, elegância, bom gosto e irrepreensível saber estar. Umas bombocas, a avaliar as primeiras páginas das revistas da especialidade.
Estamos descansados, porque tudo vai correr bem. O país está tranquilo, tem as bandeiras nas janelas, nos carros e até nas cuecas. Verdes de inveja por não termos vencido em 2004, mas vermelhos de alegre fúria com a garantida vitória de 2008.
Como estamos longe daquele miserabilismo estadonovista em que o futebol só surgia mesmo no fim do telejornal! Viva a Europa! Agora é que é! É a república no seu melhor...
* Estou para aqui a dizer asneiras, mas também vou colocar a bandeira na janela. Aquela que bem conhecem e que tem as mesmas cores de S. Marino.
3 comentários:
As mesmas que vejo neste blogue :)
-Até parece que ganhámos o europeu, mas a melhor foi aquela pérola do jornalista da SIC, e cito "Cavaco Silva vai ter a honra de se despedir da selecção". Pobre país, já tinha sérias dúvidas mas no domingo fiquei com certeza, isto já nem é um país de pastores, esses perderem-se algures num qualquer momento histórico, só sobreviveu mesmo a carneiragem.
Esperemos que a selecção perca logo na primeira fase
GP
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