quarta-feira, 4 de junho de 2008

Origens Ocidentais

Há muito tempo (relativamente) fiz um certo comentário num post de algum outro membro desta casa que quando discutimos a noção raízes da “ocidentalidade” convém não limitar a coisa à religiosidade medieval – como se a ideia de Europa e os conceitos que estão na sua base não estivessem presentes muito antes do primeiro cristão andar por Roma. Na altura lembro-me que falei da civilização grega como matriz pela qual ainda nos regemos. Não obviamente na sua totalidade porque nada deve ser estático, mas alguns conceitos chave que estão presentes nas nossas noções políticas, sociais e mesmo até linguísticas – e sim sou da opinião que a língua apesar de não limitar influencia grandemente a nossa percepção do mundo, e aí o contraste entre a mentalidade grega e por exemplo chinesa é gritante. A Igreja no fundo pouco fez que não fosse um trabalho de conservação (e deturpação) do legado clássico e pré-clássico grego e romano – as múltiplas renascenças medievais correspondem a redescobertas de conceitos clássicos, como por exemplo o direito canónico a partir do séc. XII que é uma reciclagem de direito romano imperial. Mesmo depois do séc. XVI altura em que se atinge o ponto em que talvez uma nova civilização supere os antigos em vários níveis a Europa também deixa de se definir pela uniformidade religiosa e política, aliás em grande parte o seu dinamismo fica a dever-se à sua diversidade. Mesmo nesta nova época de luzes as ideias clássicas fazem outro retorno com as novas Repúblicas e com o legado mais geral da participação geral na vida pública que deixa de estar limitada (pelo menos potencialmente) a uma clique.

Sinceramente fora desses dois pólos (Atenas e Roma) não vejo grande vida no Ocidente. O facto de essas formas serem recicladas não nos deve fazer esquecer as suas origens. Isto claro sem cair em arcaísmo e sonhos de idades de ouro perdidas, é preciso saber reconhecer que independentemente da sua grandeza nenhuma cultura é perfeita ou a fonte de tudo o que é positivo neste mundo. O debate do monopólio da virtude é algo extremamente improdutivo.

8 comentários:

Nuno Castelo-Branco disse...

Pedro, parece-me que limando uma passagem, o cardeal Ratzinger assina por baixo!

* Não fiques aborrecido, mas é verdade.

Pedro Fontela disse...

Nunca fico chateado com comentários só por não concordar Nuno :)

Até é capaz de assinar por baixo mas o entendimento que se calhar eu tenho dos mesmos conceitos não é o mesmo dele. Sem querer entrar noutro tema mas a retórica da Igreja é muito forte no sentido de centrar as suas atenções na questã das definições... a partir do momento que estabelece os seus próprios significados pode facilmente "prender" qualquer pessoa na rede do seu discurso.

Pedro Fontela disse...

ps: suponho que ele também precisasse de acrescentar um terceiro centro cultural: Jerusalem.

Anônimo disse...

Leia "O que é o Ocidente?" do Philipe Nemo.

GP

Anônimo disse...

O monopólio da virtude, se não fosse ficção, seria altamente perigoso. Sobre o debate desse monopólio estamos de acordo, caro Pedro... improdutivo e estéril.

Nuno Castelo-Branco disse...

Já agora... Parece-me que é o essencial do que hoje se discute na Europa, embora agora - uma clara cedência ao politicamente correcto -, venham impingir-nos certas contribuições que afinal muito beberam na Grécia, Roma e claro está, Jerusalém. Não podemos furtar-nos a essa realidade e não sendo devoto, sinto-me perfeitamente livre para o dizer. Renegarmos todo um passado apenas porque existe entre nós, gente que o rejeita sem o o conhecer - ou pretendendo não conhecer, o que ainda é pior -, é uma supina asneira que pagaremos caro, porque de cedência em cedência, liquidaremos um património sem igual. se nos rendêssemos, o que aconteceria à arte europeia que exibimos livremente nos museus? O que seria dos nossos templos, de boa parte da literatura e até da música. Pois se há pela Europa quem pretenda proibir (!) o toque de sinos por "ofensa" à sua crença...

osátiro disse...

A civilização Ocidental fundamenta-se nas culturas grega e romana adaptadas com o humanismo Cristão.
Basta lembrar na democracia grega em que os escravos não tinham direitos e as crianças deficientes eram abandonadas para morrer; ou que os velhos eram um encargo incómodo também abandonados.
O humanismo Cristão é/foi fundamental para a fraternidade, tolerância, igualdade da civilização ocidental.

Pedro Fontela disse...

GP,

Eu tive aulas com Philipe Nemo...


Nuno,

Desde que não seja para tocar os sinos às quatro da manhã tudo bem lol.


Osátiro,

Como deve saber o movimento humanista é algo tardio dentro do cristianismo e não algo que tenha embebido toda a religião desde o inicio (ainda hoje não o faz) e por isso não se pode reclamar os seus valores para o cristianismo, especialmente quando a maioria dos humanistas renascentistas eram estudiosos dos clássicos e aí iam buscar grande inspiração.