domingo, 3 de fevereiro de 2008

Centenário do Regicídio

Desta feita a cooperação estratégica entre a Presidência da República e o governo não se fez sentir como em diversas outras ocasiões, em que Cavaco Silva tem sido o melhor amigo de Sócrates.

Outra situação semelhante de que me recordo diz respeito à visita de Chávez ao Primeiro-ministro, aquando da qual Cavaco Silva se excusou a alterar a sua agenda para receber o Presidente venezuelano.

Cavaco esteve na inauguração de uma estátua de D. Carlos em Cascais, proferindo um discurso digno do mais elevado sentido de Estado.

Por outro lado, o Ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, não autorizou a presença do Exército nas comemorações do centenário do regicídio, reafirmando "a necessidade de as Forças Armadas manterem um "critério rigoroso", distinguindo actividades a que se podem associar (de natureza histórica, científica e cultural) das que lhes estão constitucionalmente vedadas, nomeadamente as que possam revestir natureza política."

Sendo de uma hipocrisia que o Ministro nem se prestou a tentar disfarçar, o General Garcia Leandro criticou esta decisão pela sua incoerência afirmando que "É uma tomada de decisão sem sentido de Estado", continuou Garcia Leandro, observando que o próprio Chefe do Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas participou ontem - com o Chefe do Estado-Maior da Armada - na inauguração de uma estátua a D. Carlos (ver texto ao lado). "Sou republicano mas tenho uma história e uma pátria", frisou o general."

Com a habitual desfaçatez, Fernando Rosas, dirigente do BE que esteve na origem do despacho de "esclarecimento" de Nuno Severiano Teixeira, disse ao DN que "o Presidente da República não deveria ter participado" na cerimónia de Cascais, desde logo por integrar uma comemoração "marcada por uma agenda política e ideológica" da comissão organizadora das cerimónias do regicídio que é contrária ao republicanismo.

Portanto por esta lógica, as Forças Armadas não poderão participar em qualquer evento marcado por uma agenda política e ideológica, como o seja a comemoração do 25 de Abril, ou ainda, a comemoração do centenário da implantação da República não é? Cá estaremos para ver, em 2010, esta lógica a ser contrariada pelos mesmos que agora se opõem à presença do Exército nas comemorações do regicídio.

Simultaneamente, a Assembleia da República rejeitou com os votos de PS, PCP e BE, um voto de pesar pela morte de D. Carlos, destacando-se as afirmações seguintes:

No período concedido aos grupos parlamentares para debater o voto de pesar, o líder da bancada socialista, Alberto Martins justificou o voto contra do PS, sublinhando que aprovar o documento seria dar «um voto contra a República».

«Não nos cabe a nós julgar as pessoas na história, fazer qualquer juízo moral sobre a história ou reescrever a história», disse Alberto Martins.

Pelo BE, o deputado Fernando Rosas recusou a possibilidade da Assembleia da ter uma «posição oficial sobre o Rei D. Carlos ou sobre o Regicídio».

«Aprovar este voto seria vincular a Assembleia da República, fazer com que os órgãos do Estado tenham uma visão oficial sobre a história», declarou o deputado do BE.

António Filipe, pelo PCP, rejeitou igualmente a hipótese dos comunistas se associarem ao voto de pesar apresentado pelo deputado do PPM Pignatelli Queiroz, que integra o grupo parlamentar do PSD, recusando qualquer «tentativa de reescrever a história» ou de «ajustar contas com o passado».

«Os factos históricos não podem ser objecto de julgamento político, que um século depois não faz qualquer sentido», acrescentou.

Tal como referi acima, tudo isto só conta para o regicídio, pois quanto à implantação da república estes arautos e falsos moralistas já mudam completamente de opinião. A História enquanto disciplina académica não é neutra, tal como a maioria das ciências sociais, tem sempre um pendor de subjectividade decorrente dos pontos de vista dos investigadores e historiadores. Para partidos que têm tentado reescrever a História até chegando a dizer que não houve Invasão do Afeganistão por parte da URSS (PCP), ou que se têm esforçado nos últimos 30 anos por mascarar e enevoar o Estado-novo através de uma deliberada propaganda (PS,PCP), de facto têm uma moralidade do...para vir dizer isto.

Esta gente sabe isto. Eles sabem bem o que fazem. Infelizmente conseguem tapar os olhos a muito gente, para gaúdio das suas inteligências menores e pequenezas mentais.

Parece-me que se Rousseau vivesse hoje neste país, mudaria de opinião quando diz (e atenção que Rousseau referia-se a monarquias absolutistas, não às monarquias liberais que se tornaram a regra), no Contrato Social que:

Há um defeito essencial e inevitável, que fará que o governo monárquico seja sempre inferior ao republicano - é que neste, quase sempre a voz pública eleva aos primeiros lugares homens esclarecidos e capazes, que os ocupam com honra, ao passo que aqueles que os ocupam nas monarquias não passam a maior parte das vezes de insignificantes perturbadores, ratoneiros e intriguistas, cujas habilidadezinhas que lhes permitem nas cortes chegar a ocupar grandes lugares servem apenas para mostrar ao povo a sua inépcia logo que conseguem ocupar esses lugares. O povo engana-se bastante menos na sua escolha do que o príncipe, e um homem de verdadeiro mérito é quase tão raro num ministério quanto um parvo o é à cabeça de um governo republicano.

Basta trocar onde diz monarquia por república, ou monárquico por republicano, e eis que temos um excelente diagnóstico do que se passa hoje em Portugal.

Um comentário:

Nuno Castelo-Branco disse...

Não precisa de deixar explicação alguma. a situação actual, acrescida dos últimos 98 anos, falam eloquentemente.