segunda-feira, 31 de março de 2008

A respeito dessa magnífica nova figura do Direito - a rescisão unilateral de um contrato bilateral chamado casamento

Recordo que estes senhores do BE e do PS não descobriram a pólvora. Assim de repente parece-me que terá sido um tal de Henrique VIII de Inglaterra que decidiu implementar esta via, com grande sucesso por sinal. Se no primeiro casamento, com Catarina de Aragão, viria a confirmar-se a anulação desse, o que lhe valeu a excomunhão, motivando assim o seu rompimento com a Igreja Católica e a criação da Igreja Anglicana (andará a esquerdalhada anda a pensar em criar uma nova Igreja? Para todos os efeitos o laicismo acaba por ser uma religião), já Ana Bolena e Catherine Howard não tiveram tanta sorte, tendo sido executadas.

O que me "causa espécie", como bom liberal, é como é que esta gente se atreve a regulamentar áreas que ao Estado não dizem respeito, como no caso dos piercings, onde retiram ao indivíduo a capacidade de ajuizar sobre o que fazer com o seu corpo (algo inerente ao elementar conceito de liberdade como já aqui demonstrei), prestando-se logo de seguida a ideotices como o facto da Direcção-Geral de Impostos (DGCI) está a ameaçar os casais recém-casados com coimas, que vão até 2500 euros, se não prestarem as informações solicitadas sobre os serviços do seu casamento no prazo de 15 dias (via 31 da Armada), e culminando com a desregulamentação de um princípio basilar de um Estado de Direito, o respeito pelos contratos, no que ao casamento diz respeito, essa coisa que se constitui como a relação jurídica por excelência pela qual se pauta a sociedade, em torno da qual gira grande parte do nosso Código Civil.

Sem mais, deixo na íntegra o excelente post que o Nuno Pombo escreveu no Incontinentes Verbais:

A agenda dos políticos anda animada. Ainda não havíamos digerido a prebenda da redução do IVA e somos agora brindados com mais um capítulo da saga «A Revolução dos Costumes». Neste episódio, o BE, quero dizer, o PS promete acabar com o divórcio litigioso. Não me parece mal. Acabe-se com tudo quanto seja litigioso. O litígio é intrinsecamente mau. É altercação. Dissídio. Conflito. Desordem. Disputa. Confronto. Antagonismo. Bem andam os nossos políticos quando se preocupam com a paz. A paz no mundo começa em nossas casas. E a paz constrói-se com o fim da guerra. Promovendo-se o ocaso do "litigioso", franqueiam-se as portas ao florescimento radioso do "amistoso". E isso é que é bom.

Contudo, importa ir mais longe. A verdadeira fonte do litígio não é tanto o divórcio. É o que está a montante dele: o próprio casamento. A padralhada andou a convencer-nos de que o casamento era um sacramento. Foi preciso virem os libertários iluminados dizer que não. Que era um contrato. O Código Civil - mas ainda não o Canónico - estabelece o casamento como um contrato. Um contrato, ou seja, um negócio jurídico bilateral. Com dois intervenientes (e porque não 3 ou 4? Malandros! ou porque não só 1? Por que carga de água não me posso casar comigo mesmo? se até já há sociedades unipessoais???) De sexo diferente (cambada de sexistas castradores das legítimas aspirações contratuais dos cidadãos!). Como se vê, o casamento é uma instituição potenciadora de conflitos. De sacramento a contrato. Agora de contrato a coisa nenhuma. A deputada Helena Pinto, com aquele ar esclarecido que o Criador lhe estampou na cara, tem toda a razão. Era o que faltava que um dos cônjuges (tecnicamente também chamados "contraentes") pudesse impor ao outro (tecnicamente "contraparte") a manutenção do casamento (tecnicamente "contrato"), unilateralmente (vulgarmente "porque lhe dá na bolha"!). Isso de dar a uma das partes de um contrato o direito de impor o seu cumprimento à contraparte ou de extrair consequências do seu incumprimento é uma coisa do além!!! Isso mesmo, Helena. Era o que faltava! Tens toda a razão! Não te esqueças de explicar isso aos sindicatos e aos tribunais de trabalho, também. Temo que eles não percebam, coitados.

Daniel Oliveira, quando fores definitivamente absolvido avisa. Gostava de poder chamar "palhaços" a uns tantos deputados... e deputadas.

3 comentários:

Tiago R. disse...

Bravo!
Goebbels não diria melhor!

Nuno Castelo-Branco disse...

Quando o Estado se imiscui na vida privada dos cidadãos, tem a sua queda garantida a prazo. O problema é que os seus titulares, vulgo Donos, nada lêem. Vejam o que aconteceu a Roma, a legislar a torto e a direito, a cravar impostos até mais não...

Manuel disse...

Por acaso também escrevi sobre o tema, e coincidiu com a análise de Nuno Pombo.
Mas foi mesmo coincidência!