quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Noção prática - a necessidade na política

Há quem saiba o que era a democracia para Platão. Mas o que importa saber aqui, é o que foi de facto a democracia para o “Pai da democracia”, Clístenes, e para o “primeiro dos cidadãos atenienses”, Péricles ou para o seu braço direito, Efialtes. Importa conhecer a conjuntura que conduziu à criação, por extrema necessidade e pragmatismo politico-social, de conceitos como mistoforia ou isegoria e isonomia. Trata-se de saber não quem teorizou, mas quem criou e quem teve trato com o objecto: quem trabalhou a política 500 anos a.e.c.

Nada na política se faz ou se fez por altruísmo, e este é um perfeito exemplo disso. Com efeito, ao serem de uma das famílias aristocráticas que desde sempre detiveram maior poder e influência em todo o Peloponeso, aos Alcmeónidas, nunca faltou concorrência ao status pelos Pisistrátidas ou pelos Mégaras. E é precisamente pela extrema necessidade de arregimentar, de obter massa humana em ordem da família se superiorizar militarmente ao seu adversário que surge um conceito como isegoria. Ser “hoplita” (um daqueles sujeitos com escudo e com uma lança que se agrupava numa falange), era uma profissão de elevado estatuto social, e como é por demais óbvio, nem todos podiam sê-lo. Era necessário ser cidadão. Nunca deve Clístenes ter pensado que dar a cidadania aos neopolitai (estrangeiros), integrá-los no exército para se superiorizar e depôr o Pisistrátida Hípias, criar a Assembleia dos 500 (alargando assim teoricamente a participação política a mais tribos) em ordem de minar o poder das velhas aristocracias concorrentes e mascarar tudo isto de isegoria (igualdade política teórica entre cidadãos) e mais tarde isonomia (igualdade teórica pela lei e face à lei) mudaria o mundo pelo menos até 2500 anos depois. No entanto todos ficaram exultantes, pelo menos até se aperceberem que ser cidadão implicava pagar impostos.

Mais tarde com Péricles (também Alcmeónida) e Efialtes, surge algo como a mistoforia, que acaba por se inscrever num contexto de compra de influência com o dinheiro dos explorados, e pô-los a aplaudir esse mesmo facto, sem que se apercebam. Não é algo que no fundo (nuns mais fundo do que outros, claro), todos nós gostaríamos de praticar? É tentador, no mínimo...

Címon de Atenas era um feroz opositor de Péricles. Além disso e ao contrário deste, era extremamente rico, e usava essa mesma riqueza para cobrir os cidadãos de benefícios (principalmente os do seu dêmos). Quando este clientelismo chegou às instituições, Péricles e Efialtes agiram, usando o dinheiro do tesouro público ateniense para comprar de volta os felizes cidadãos que desempenhavam cargos nas instituições públicas, principalmente os que tinham assento nos tribunais (eis a mistoforia). Isto dois anos antes de Címon ser convenientemente ostracizado.

Estes conceitos citados foram como muito se apregoa por aí “das mais belas criações de Atenas”. Eu concordo em absoluto, mas não pela falaciosa tentação da criação pelo altruísmo e igualitarismo. Concordo pela genialidade pragmática, tento em conta toda a conjuntura e todos os factos. Já F. Nietzsche dizia que “a necessidade não existe apenas para se suportar. Todo idealismo é mentira face à necessidade”.

3 comentários:

Samuel de Paiva Pires disse...

Paulo Cardoso "O Fabuloso", como sempre! Bem vindo caríssimo, finalmente!

Samuel de Paiva Pires disse...

Ah já me esquecia...conheço alguém que vai ficar meio chateada se ler isto, não é Professora?

Isabel disse...

OLhe que não! Eu não sou adepta da democracia. Como diria Platão, é o reino da anarquia e da mediocridade, como este post bem o demonstra.