(Este pequeno post é uma sinopse de um trabalho elaborado no âmbito da disciplina de Organizações Internacionais, e encontra-se também publicado em Nostrum Symposium.)
Firmado em 14 de Maio de 1955 na cidade de Varsóvia, o Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua estabeleceu uma aliança militar entre os Estados Socialistas da Europa Central e de Leste, essencialmente sob o domínio da União Soviética, que pretendia estabelecer um contrapeso efectivo e coordenado à ameaça potencial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Pese o argumento inicial por parte da União Soviética de justificação da criação do Pacto de Varsóvia como retaliação à integração da República Federal Alemã (RFA) na OTAN (em 9 de Maio de 1955), o Pacto acabaria por constituir de facto uma ferramenta de controlo sobre os países da órbita satélite da União Soviética, intervindo militarmente contra quaisquer tentativas que os Estados em questão tomassem contra a ortodoxia comunista e soviética.
O tratado foi modelado no tratado da OTAN, e instituiu uma estrutura organizacional bastante simples, com sede em Moscovo, estabelecendo o Political Consultative Commitee (PCC), que coordenava todas as actividades excepto as de cariz militar, sendo o fórum onde secretários-gerais dos partidos comunistas e chefes de Estado se reuniam, e o Unified Command of Pact Armed Forces, que detinha autoridade sobre as tropas que lhe eram atribuídas pelos Estados, sendo o Commander in chief o First Deputy Minister of Defence of USSR, e o Chief of Staff o First Deputy chief of the Soviet General Staff.
Todos os Estados socialistas da Europa Central e de Leste se constituíram membros do Pacto excepto a Jugoslávia, sendo os Estados partes do tratado a Albânia, Bulgária, Checoslováquia, República Democrática Alemã (RDA), Hungria, Polónia, Roménia e União Soviética. A Albânia deixaria de apoiar o Pacto em 1961 devido à divisão Sino-Soviética, em que se situou como apoiante da linha Estalinista da China, acabando por se retirar oficialmente em 1968 como protesto à invasão da Checoslováquia, evento que ficou conhecido como Primavera de Praga.
Com o afastar gradual de Gorbatchev em relação à doutrina Brejnev, os movimentos de abertura foram-se propagando pelo Leste Europeu. Os comunistas liberais assumiram o poder na Hungria, enquanto por exemplo na Polónia o Partido Comunista negociava com o Solidariedade. Numa visita à Finlândia em Outubro de 1989, o porta-voz de Gorbatchev, Gerasimov, confirmava o abandonar da doutrina Brejnev, gracejando com a imprensa que Moscovo adoptara a doutrina Sinatra, numa alusão à famosa música de Frank Sinatra “I dit it my way”, afirmando que a Hungria e Polónia estavam a fazer as coisas à sua maneira.
Tornava-se cada vez mais evidente a incompatibilidade entre a liberalização e o comunismo, cujos partidos estavam cada vez mais desmoralizados. Também em Outubro de 1989 Gorbatchev visitava a RDA para participar da comemoração do 40.º aniversário da fundação dessa, acabando ainda por incitar o seu dirigente estalinista, Erich Honecker, a conduzir uma política mais reformista, enquanto exaltava também a estabilidade da RDA. Porém, 4 semanas depois da sua visita o Muro de Berlim caía. Dez meses depois Gorbatchev concordava com a unificação da Alemanha como membro da NATO. Todos os governos comunistas da antiga órbita satélite haviam sido depostos e o Pacto de Varsóvia desmoronou-se. A ordem de Ialta caía, e a História revelava a insensatez das afirmações de Kruchtchev de que o comunismo enterraria o capitalismo.
Com o assumir da doutrina Sinatra em detrimento da doutrina Brejnev (em 1989), os novos governos independentes dos Estados satélites da União Soviética acabariam por contribuir para o fim do Pacto. Em 24 de Setembro de 1990 a RDA retirar-se-ia do tratado e em 3 de Outubro do mesmo ano acabaria por se reunificar com a RFA, pelo que a nova Alemanha unificada se tornou membro da OTAN, enquanto a Checoslováquia, Hungria e Polónia anunciavam em Janeiro de 1991 que iriam retirar o seu apoio ao Pacto, seguindo-se a Bulgária em Fevereiro. Em 1 de Julho do mesmo ano o Pacto acabaria por ser dissolvido numa reunião em Praga.
Tendo estabelecido uma estrutura que se baseava em grande parte na estrutura de comando militar soviético, o que facilitava as operações, como ficou patente nas diversas intervenções, o Pacto nunca chegou a enfrentar no terreno a sua contraparte, a OTAN, apesar de o argumento para a sua formação ser precisamente o constituir um contrapeso à OTAN.
Foi um instrumento ao dispor da União Soviética para exercer uma influência e domínio no contexto da Guerra Fria, que talvez devido às suas especificidades e estruturas demasiado apegadas à União Soviética, bem como as evoluções ideológicas e políticas sofridas pelos países satélites da Europa de Leste, não se soube adaptar ao mundo em devir após a Queda do Muro de Berlim, até pela sua evidente derrota. Por seu lado a OTAN continua viva e em expansão, incluindo já países que faziam parte do pacto, tal como a estrategicamente importante Polónia. Embora dominada pelos Estados Unidos, a Aliança Atlântica constituiu-se como um verdadeiro fórum multilateral, com uma estrutura própria, e não como um fórum que se pretendia multilateral, mas que serviu apenas para a União Soviética exercer o seu poderio e legitimar através desse as suas acções.
De qualquer das formas, independentemente do desfecho do conflito bipolar, é de salientar que na época da sua formação, mas especialmente após a Crise dos Misseis de Cuba, e com o advento do Movimento dos Países Não Alinhados, o Pacto de Varsóvia revelou-se um instrumento que acabaria por constituir uma forma de domínio ideológico que servia os propósitos do sistema internacional, encontrando na sua contraparte um domínio que se exercia mais pelo soft power. Neste particular, uma das críticas que no meu ponto de vista se pode apontar à União Soviética é a sua ortodoxia rígida que provocou sentimentos de revolta nas populações dos países da órbita satélite, acabando por perder a sua força ideológica enquanto modelo único absoluto com a divisão Sino-Soviética, a partir da qual ocorreram as divisões entre os Partidos Comunistas que se mantinham leais à União Soviética, e os Partidos Comunistas Marxistas Leninistas que se alinhavam à China.
Em suma, o Pacto de Varsóvia foi um instrumento necessário à manutenção da ordem bipolar que dando-se por derrotado perante a OTAN, teve necessariamente que sucumbir num momento chave da História de onde adviria uma nova ordem mundial, que ainda hoje se está a tentar encontrar e definir a si própria.
Bibliografia consultada
Curtis, Glenn E. – The Warsaw Pact (excerpted from Czechoslovakia: A Country Study). Washington, D.C.: Federal Research Division of the Library of Congress; 1992.
Kissinger, Henry A. – Diplomacia. Lisboa: Gradiva, 2.ª ed.; 2002.
Keylor, William R. – História do Século XX. Mem Martins: Publicações Europa-América; 2001. (Publicado originalmente pela Oxford University Press em 1996).
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